‘Obama vem fazendo um trabalho notável’, diz Maya Angelou

HUGH MUIR

DO “GUARDIAN”

Sempre houve algo de agridoce na experiência de vida de Maya Angelou. Pense na literatura criada a partir de sua criação dura e trágica no Missouri e Arkansas no tempo da segregação racial: “I Know Why the Caged Bird Sings”, “Wouldn’t Take Nothing for my Journey Now”.

Barack Obama e Maya Angelou em cerimônia na Casa Branca

Pense nas vitórias dela em articular a luta dos afro-americanos ao longo da era dos direitos civis. Considere que todos os anos o aniversário dela, 4 de abril, traz ao mesmo tempo alegria e recordações dolorosas. Quem gostaria de dividir seu aniversário com o do assassinato do amigo de Angelou, Martin Luther King?

Este ano, se o ano avançar como Angelou imagina, vai exacerbar esse padrão, trazendo um clímax importante, mas não antes de alguns pontos baixos deprimentes. Não se preocupem com Barack Obama, diz a cronista da história negra. Ele será reeleito. Ele merece ser reeleito. Mas, entre agora e novembro, as coisas vão ficar feias.

“Acho que vamos ver muitas pessoas que afirmam ‘não tenho preconceito racial em meu coração, não tenho preconceito em minha fala'”, diz a escritora. “Mas nos próximos meses, à medida que vamos encerrando a campanha dupla, acho que vamos ver coisas desagradáveis, alguma vulgaridade. Acho que vão arrancar os lençóis.”

Obama tem seus críticos e seus céticos. Angelou, aos 83 anos, a sábia da América negra, não tem paciência para eles. “Acho que ele vem fazendo um trabalho notável, sabendo quanta oposição vem enfrentando”, disse ela. “Cada sugestão que ele faz, os republicanos em massa o combatem ou então deixam de votar.” É porque ele é democrata e porque é o primeiro presidente negro, diz ela.

Maya Angelou trabalhou com Martin Luther King nos anos 1960 como coordenadora da região norte da Conferência de Liderança Cristã Sulista, e os dois discutiram a possibilidade de um presidente negro. King disse que aconteceria em até 40 anos. Angelou lhe disse que não aconteceria enquanto ela estivesse viva. Ela estava errada, por sorte.

Refletindo sobre essa Presidência, o que ela esperava? “Eu esperava pelo melhor. E acho que recebi dele o melhor.” E os detratores dele? “São pessoas que não enxergam o atoleiro em que ele pisou já ao começar.”

Ele é o presidente dos Estados Unidos. Mas também se descreve como o primeiro presidente negro dos Estados Unidos. Falando desde sua casa na Carolina do Norte, Maya Angelou disse que esse fato teve um impacto extraordinário sobre a América negra. “Sua pessoa física, o simples fato de estar ali, sua foto nos jornais como presidente dos Estados Unidos –tudo isso fez tão bem ao espírito do afro-americano. Vemos mais e mais crianças querendo ser como o presidente Obama, querendo estudar.”

“A GRANDE DAMA”

Ainda ativa apesar de sofrer de doença obstrutiva pulmonar crônica (DOPC), Angelou vem se mostrando ansiosa por festejar Obama, e ele vem se mostrando igualmente ansioso em retribuir a gentileza. Em 2010 Angelou foi nomeada na Casa Branca uma das 15 homenageadas com a Medalha Presidencial da Liberdade, a mais alta honraria civil dos EUA. Obama a citou, dizendo: “A história não pode ser desvivida, apesar de sua dor lancinante, mas, se for enfrentada com coragem, não precisa ser revivida”.

Mais recentemente, a ligação presidencial de Angelou vem se dando através da primeira-dama, Michelle Obama. “Ela é a grande dama”, diz Angelou. “Escrevi um bilhete a ela outro dia porque eu estava num encontro. O presidente e seu grupo estavam lá, mas tive que sair cedo. Sei que isso é uma gafe, porque ninguém deve deixar o recinto antes do presidente, então escrevi uma carta pedindo desculpas. Recebi uma carta dela, na própria letra dela. Ela disse: ‘Só lamento uma coisa: que não fui até você e abracei seu pescoço’.”

Na vez seguinte em que se encontraram, o espanto de Angelou foi nítido. Milhões de espectadores do canal americano Black Entertainment Television (BET) viram a autora –ganhadora de três Grammy, uma indicação ao Pulitzer e 30 títulos acadêmicos honorários– preparar-se para receber mais um reconhecimento: um Prêmio BET Honors. Ela não fazia ideia de quem iria entregar o prêmio. Foi quando a primeira-dama entrou. “Ela falou por dez minutos sobre meu trabalho e o impacto dele sobre ela e seu marido nos últimos 20 anos”, conta Angelou. Calma, agora, Angelou disse a repórteres: “Pensei que meu coração fosse explodir”.

Os ícones da América negra são tidos em alta conta. Os soldados do movimento dos direitos civis, em especial, conservam a capacidade de falar a americanos brancos e negros com alguma chance de serem ouvidos, e esse é o caso especialmente de Angelou. Ela tem um vínculo com Obama, mas também tinha um vínculo com Clinton. Escreveu um poema, “On the Pulse of Morning”, e o leu na posse de Bill Clinton em 1993.

 

A paisagem no Reino Unido é diferente de inúmeras maneiras. Maya Angelou já visitou o país em muitas ocasiões, mas não considera que compreende as complexidades da sociedade britânica. Quando lhe é pedido que compare esta à americana, ela aventa a visão de que os negros no Reino Unido “não têm o mesmo espírito que os afro-americanos, por uma série de razões. Uma delas é a população. Nosso impacto sobre a sociedade é outro.”

Mas nos EUA, quando Maya Angelou fala, ela é reverenciada. Ultimamente ela vem suplicando, admoestando e persuadindo sobre uma série de tópicos. No mês passado o Serviço Nacional de Parques foi forçado a tirar uma inscrição do memorial a Martin Luther King em Washington porque a citação exibida na inscrição estava truncada. King falou: “Sim, se quiserem dizer que fui tambor-mor, digam que fui tambor-mor em defesa da Justiça. Digam que fui tambor-mor em defesa da paz. Fui tambor-mor em defesa da retidão. E todas as outras coisas mais superficiais não terão importância.” A inscrição dizia: “Fui tambor-mor em defesa da Justiça, da paz e da retidão.” Isso fazia Martin Luther King parecer “um arrogante metido a besta”, Angelou reclamou. Contrariando os desejos do arquiteto, a inscrição será mudada.

Ela também vem externando pensamentos sobre o mês da história negra, celebrado nos EUA em fevereiro. Nesse país, assim como no Reino Unido, algumas pessoas questionam a necessidade de chamar anualmente a atenção à história negra. Quisera que isso não fosse preciso, disse Angelou.

“Não será maravilhoso o dia em que a história negra, a história dos indígenas americanos, a história judaica e toda a história dos EUA forem ensinados em um só livro? Simplesmente história dos Estados Unidos.”

Alguns diziam que a América de Obama seria pós-racial. “Foi tolice”, diz Angelou. “Foi a mesma coisa que aconteceu nos anos 1960, lamentavelmente, e que nos encaminhou para alguns anos realmente terríveis. Nas décadas de 1950 e 1960, quando a integração foi aprovada em lei, muitas pessoas negras deixaram de dizer a seus filhos aquilo que lhes tinha sido dito e que tinha sido dito a todas as crianças negras nos Estados: que tudo depende de você; você precisa estudar e precisa esforçar-se para tirar nota 10. Depois de 1960, e por dez, possivelmente 20 anos, os jovens foram deixados à vontade. ‘Podem ir, ter suas próprias ideias e serem excêntricos. Vocês não precisam estudar. Aprendam a jogar bola.’ Foi lamentável. As notas nas escolas negras, que antes eram ótimas, decaíram para um nível constrangedor.” Esse mal-estar já foi reparado, diz Angelou. “As pessoas tomaram consciência dos equívocos.”

QUADRO MAIOR

Outra questão criou ainda mais manchetes. O rapper Common obteve a autorização de Angelou para usar a voz dela na faixa inicial de seu álbum atual, “The Dreamer/The Believer”. Angelou ficou mortificada pelo fato de Common, em outros lugares, usar a “palavra-N” (“nigger”, ou crioulo) e a “palavra-B” (“bitch”, ou vagabunda), aludindo às mulheres. No mês passado, novamente no BET, eles apareceram juntos num especial intitulado “Soulmates” (almas gêmeas). Os dois concordaram cordialmente em discordar.

“É terrível”, diz Angelou. “Europeus, ou brancos, empregavam a palavra-N. É como se negros dissessem: ‘Vocês me odeiam e mostram que me odeiam ao usar esse termo. Bem, deixe que eu lhe mostre como me odiar. Eu mesmo posso usar essa palavra. Posso me odiar mais do que você pode me odiar.’ É uma atitude vulgar e sem sentido. Minha esperança é que os homens e mulheres jovens que usam essa palavra repensem o que estão fazendo.”

Maya Angelou usa muitos rótulos. Com os livros e os roteiros, seu trabalho para o cinema e passagens pelo Egito e Gana –que foi onde ela primeiro trabalhou com Malcolm X–, ela já foi chamada de “mulher renascentista global”. Mas ela própria se descreve como mãe trabalhadora e otimista. E não apenas em função do presidente. Otimista, a despeito do racismo e das desigualdades.

A beleza de ter 83 anos e visão nítida é a capacidade de enxergar o quadro maior. “Vejo quão longe avançamos”, diz Angelou. “Vivemos vidas muito curtas. Mesmo com cem anos de vida, vivemos vidas curtas. Mal conseguimos enxergar a magnitude de nosso progresso. Pouco mais de 150 anos atrás, todos os negros nos Estados Unidos ou eram escravos ou escravos foragidos, e pessoas eram linchadas legalmente no centro da cidade.”

E agora um deles é o presidente. Em novembro ele talvez ganhe um segundo mandato.

Tradução de CLARA ALLAIN.

 

 

Fonte: Bol

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