Justin Fashanu no Norwich, em 1981: anos depois de assumir ser gay, ele cometeu suicídio
Um novo filme que será lançado nesta terça-feira, no Festival de Documentários de Toronto, promete agitar o futebol inglês. “Forbidden games” (“Jogos proibidos”) conta a história dos irmãos John e Justin Fashanu, que quebraram tabus na Premier League, mas também protagonizaram uma triste história que terminou em dor, tristeza e suicídio.
Do ESPN
Filhos de pais nigerianos, Justin, o irmão mais velho, e John, foram adotados ainda bebês por uma família inglesa da cidade de Norfolk. Lá, sofreram com o racismo desde a infância.
“Se você visse um cara negro era uma foto do Michael Jackson em algum lugar, ou talvez, só talvez, se tivesse sorte, de Muhammad Ali… Eles foram os únicos negros que vi na vida até eu fazer uns 18, 19 anos”, lembrou John, em entrevista ao jornal The Guardian.
O futebol apareceu, então, como opção para os irmãos alcançarem o sucesso.
“Era a maneira mais fácil da gente ganhar dinheiro, e nós ganhamos bastante”, contou John, que atuou por times como Norwich, Millwall, Wimbledon (pelo qual foi campeão da FA Cup em 1988) e Aston Villa, além de ter feito duas partidas pela seleção da Inglaterra.
“Não havia banqueiros e advogados negros, nada do tipo. Nós sabíamos que a única maneira de ganharmos dinheiro era cantando, dançando ou jogando bola. Simples assim”.
Nessa época, os irmãos ainda eram muito próximos. Vivendo em meio ao racismo e ao preconceito durante infância e adolescência, um protegia o outro, e inclusive fizeram aulas de boxe e artes marciais juntos para se defenderem do bullying dos locais.
Justin ainda era o responsável por acalmar John quando o irmão mais novo tinha pesadelos, o que era frequente, como conta o documentário.
Tudo começou a mudar depois que Justin, que também começou no Norwich e passou por equipes como Nottingham Forest, Manchester City, West Ham e Newcastle, além da seleção inglesa sub-21, durante a carreira, assumiu ser gay, no início dos anos 90.
Nessa época, ele quebrou dois tabus: além de se tornar o primeiro atleta abertamente gay no Campeonato Inglês, ele também virou o primeiro jogador negro a valer 1 milhão de libras, depois de trocar o Norwich pelo Nottingham Forest por este valor.
Justin Fashanu pela seleção sub-21 da Inglaterra
Em um tempo em que os homossexuais eram frequentemente ligados à aids, doença que começava a se espalhar pelo mundo, Justin seguiu sofrendo com o preconceito. Convivia com insultos homofóbicos de técnicos, piadas cruéis de seus companheiros e time e cânticos de insultos de torcidas.
O próprio técnico do Forest, o lendário Brian Clough (bicampeão da Liga dos Campeões com a equipe) chegou a insultar Justin Fashanu, que frequentava boates e clubes gays na cidade, e perguntar o motivo dele ir a “essas m… de lugares”.
Para John Fashanu, seu irmão mais velho nunca deveria ter saído do armário.
“Disse a ele: ‘Te dou 100 mil libras se você ficar calado”, rememorou o ex-atacante.
Com o passar do tempo, John e Justin foram se afastando cada vez mais. O irmão mais novo admitiu que sentia “vergonha” de Justin ser gay.
“Eu temia que as pessoas achassem que eu era gay também. John Fashanu, Justin Fashanu, J e J… Eu era um cara durão, jogava em um time de caras durões (o Wimbledon), como Vinnie Jones e Dennis Wise. Eramos um time durão, com aquela imagem de machos fortes, e as pessoas que gostavam do nosso time adoravam isso. De repente, meu irmão faz isso! Naquele tempo, achei absurdo”, falou.
Ele também revelou sua indignação com o fato do irmão mais velho, claramente mais talentoso, nunca ter usado sua influência para ajudá-lo a dar um salto na carreira e atuar por times maiores.
Além disso, ficou revoltado com o fato de Justin ter ficado com suas 100 mil libras (valor que hoje corresponde a pouco mais de R$ 400 mil), mas ter assumido ser gay mesmo assim, em uma bombástica entrevista ao The Sun. Ele fez isso principalmente porque tinha um estilo de vida gastão, e frequentemente ficava endividado.
John Fashanu em 1985, pelo Millwall
“Na infância, ele foi meu pai e minha mãe. Era minha luz brilhante. Minha vida. Tornou-se meu arqui-inimigo”, disse John.
Justin, porém, jamais conseguiu lidar com a pressão de ter saído do armário. Sua carreira foi aos poucos definhando, com passagens por equipes minúsculas da Inglaterra e dos Estados Unidos (chegou a ser acusado de assédio sexual no estado de Maryland, onde atos homossexuais eram ilegais à época), e terminou da maneira mais trágica possível.
Em 3 de maio de 1998, o atacante foi encontrado morto após ter se enforcado dentro de uma garagem em Londres. Ele tinha 37 anos.
“Eu cheguei à conclusão que sou considerado culpado. Não quero causar mais constrangimento para meus amigos e família”, escreveu o atleta, em sua carta de suicídio.
A última vez que os irmãos se falaram foi justamente quando Justin estava enfrentando as acusações de assédio sexual nos EUA. À época, confessou a John que temia ser preso, apesar de garantir a inocência. O irmão mais novo disse que não se envolveria no caso.
John descobriu que Justin havia cometido suicídio em meio ao batismo de seu filho, Amir, quando policiais entraram na igreja e o convocaram para identificar o corpo do irmão.
Hoje empresário, John diz que se arrepende por como as coisas terminaram.
“Fico triste em pensar que à época eu não entendi todos os desafios pelos quais Justin estava passando. Um pouco mais de entendimento e carinho podiam ter mudado muitas coisas”, admitiu.
Justin Fashanu cometeu suicídio em 1998
O ex-atacante conta que reza pelo irmão todo domingo, mas que prefere não pensar mais na morte de Justin, já que não é possível voltar no tempo para mudar as coisas.
“Não dá para voltar e dizer: ‘Oh, meu Deus, o que eu poderia ter feito de diferente?’. Porque o mundo era muito diferente naquela época”, afirmou.
“Por que eu seguiria chorando depois de 15 anos? Minha mãe morreu, minha outra mãe morreu, meu pai morreu… As pessoas morrem”, resumiu.
Hoje, porém, John diz ter orgulho do falecido irmão mais velho.
“Não importa se você gostasse dele, se o amasse ou o odiasse. Justin é uma lenda”.