A Organização das Nações Unidas (ONU) escolhe pela primeira vez um relator para investigar violações contra homossexuais pelo mundo e políticas homofóbicas. A iniciativa havia sido um projeto brasileiro que, por anos, gerou uma troca de acusações entre governos.
Por Jamil Chade, do Exame
O escolhido para ocupar o cargo é o tailandês Vitit Muntarbhorn. Ele terá o trabalho de monitorar violações e denunciar a discriminação. O especialista era um dos membros da Comissão de Inquérito para os Crimes na Síria e já atuou em investigações na Coreia do Norte.
Sua escolha e a criação do cargo foi comemorada por ativistas. “O estabelecimento desse mandato levará ao mundo a atenção que se necessita dar às violações contra lésbicas, gays, bissexuais e transexuais em todas as regiões”, indicou John Fisher, diretor da entidade UN Watch, de Genebra.
Mas diversos governos já indicaram que vão fazer de tudo para impedir o trabalho do relator. Durante a semana, Moscou acusou a iniciativa de ser um desperdício de dinheiro.
“Isso se trata da vida privada das pessoas e não precisa de um sistema de proteção particular”, disse o Kremlim. A diplomacia de Vladimir Putin também deixou claro que não estava satisfeita com a maneira pela qual a ONU tem lidado com a questão de direitos humanos.
Alexey Borodavkin, embaixador russo na ONU, disse esperar que investigações como a de Muntarbhorn “levem em conta a tradição e a religião” de um país.
Há três meses, o debate na ONU para criar o posto durou quatro horas e chegou a sair da tradicional linha diplomática. Segundo o governo brasileiro, a iniciativa tem como meta “promover o diálogo para colocar fim à violência e discriminação com base na orientação sexual”. Ao apelar para que governos votassem pela aprovação do texto, o Itamaraty insistiu na época que “ninguém deveria ser abandonado” na defesa de seus direitos.
O governo do México alertou que “milhares de pessoas” estavam expostas à violência em razão de sua orientação sexual. “Vamos lembrar Orlando e dar esperança para milhares de pessoas”, disse naquele momento o embaixador mexicano, Jorge Lomónaco, sobre o massacre contra 49 pessoas em um local frequentado pela comunidade LGBT nos EUA.
Se a proposta foi amplamente apoiada por governos europeus e EUA, recebeu duras críticas da Rússia, China, africanos e muçulmanos. Falando em nome da Organização da Cooperação Islâmica, o Paquistão condenou a criação de um relator na ONU para investigar esses crimes. Segundo ele, a resolução “promove certas noções, conceitos e estilos de vida em que não existe consenso”.
A Nigéria acusou os governos que apresentaram a proposta de estarem “dividindo” a comunidade internacional e insistiu que não existe “definição do que é orientação sexual”.
O embaixador saudita, Faisal Trad, chegou a tentar evitar até mesmo que a votação ocorresse há três meses. “Isso é uma imposição de ideias e abrirá uma Caixa da Pandora”, disse.
“Não vamos aceitar leis feitas pelo homem contra as leis divinas”, atacou. Para ele, ao aprovar tal texto, a ONU estaria “interferindo em Estados soberanos”.