Organizações que atuam com direitos humanos refletem sobre o desafio de captar recursos hoje no Brasil

O fortalecimento da democracia a partir da atuação de organizações da sociedade civil entra na pauta da Mobiliza. Em sua próxima edição, a série de fascículos se dedica a explorar esse tema tão urgente, usando como gancho os desafios e oportunidades para o financiamento de projetos e organizações, especialmente aqueles dedicados à defesa dos direitos humanos.

Do Mobiliza Consultoria

Foto: Reprodução/Mobiliza Consultoria

Para contribuir com reflexões sobre o tema, conversamos com uma série de especialistas e destacamos o caso do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), uma organização da sociedade civil, criada em 2000, que trabalha pela promoção da garantia do Direito de Defesa. Sua causa se volta para a ideia de que todos têm direito a uma defesa de qualidade, em um processo justo e, em caso de punição, que a pena seja cumprida de forma justa.

“O trabalho surge lá em 2000, com advogados criminais que atuavam de forma pro bono em seus escritórios. Em dado momento, resolveram criar uma organização que tivesse como missão fundamental promover o Direito de Defesa e as garantias individuais. Enfim, a ideia de democratizar o acesso à justiça”, lembra Marina Dias, diretora-executiva do IDDD.

Ela explica que, desde então, o IDDD aumentou sua incidência em várias outras esferas, repensando o modelo de assistência jurídica gratuita. Se antes atuavam com atendimento direto de forma pontual em presídios, hoje organizam mutirões e, acima de tudo, atuam com advocacy, na busca para garantir efetividade de determinada lei. Uma trajetória de ajustes de foco, de fortalecimento de uma estratégia de maior impacto, em um amplo processo de diálogo com representantes do sistema de justiça, com o judiciário, executivo e legislativo.

O noticiário nacional e estudos publicados recentemente, como o Índice de Percepção da Corrupção, da organização Transparência Internacional, apontam um cenário crise de confiança nos poderes. Parte da opinião pública, polarizada, é sensível a discursos extremistas que se proliferam em momentos como o atual. Nesse sentido, direta e indiretamente, o IDDD atua para desconstruir preconceitos, combater narrativas de ódio e defender direitos humanos básicos.

“O IDDD questiona o punitivismo e a vingança como uma forma adequada de lidar com os conflitos sociais. Questiona a pena de prisão como uma panaceia para todos os males da sociedade. Nesse sentido, estamos propondo um discurso de descriminalização, de direito penal mínimo, da mínima intervenção do direito penal na sociedade como uma forma de responder aos conflitos. Queremos debater a política reducionista de drogas, o encarceramento em massa, a seletividade do sistema de justiça.”

São temas muitos sensíveis, que precisam ser debatidos, mas muitas vezes evitados pelo campo do investimento social privado e familiar, doadores individuais e pela sociedade em geral.

Comunicar sempre e comunicar bem

Não há dúvidas que qualquer estratégia de financiamento passa por um bom planejamento de comunicação. No caso do IDDD, manter um diálogo com a sociedade, gerar conhecimento e sensibilizar públicos estratégicos – como jornalistas e estudantes – são pontos essenciais.

“Não é fácil conseguir engajamento da sociedade em geral para nossa causa, então, eu acho que uma das nossas missões é mobilizar [pessoas para essa agenda]. Acho que somos uma porta e uma oportunidade de realização pessoal, de transformação, principalmente para jovens, que estão cada vez mais querendo esse tipo de experiência”, avalia Marina.

Ainda na frente de comunicação, a organização desenvolveu um projeto voltado ao diálogo com a imprensa. O objetivo foi mostrar para jornalistas a importância de observar as garantias individuais, o direito de defesa e a presunção da inocência na cobertura de casos criminais.

Foram diversos encontros em redações de veículos, dialogando sempre sobre o cuidado ao fazer a apuração e a abertura de espaço para os dois lados de qualquer história. O projeto acabou culminando na realização de um guia de direito penal pra jornalista e em outra frente de formação de estudantes. “Esse projeto foi muito inspirador, porque acabou dando o exemplo para outras organizações a fazerem coisas parecidas”, conclui.

Direitos conquistados em risco

O caso do IDDD serve como ponto de reflexão para outras questões. Historicamente, a causa dos direitos humanos tem se mostrado um campo espinhoso para a atuação de organizações sociais, especialmente em temas como drogadição, direitos da população carcerária e questões de gênero e raça. Além do desafio de debater temas complexos com a sociedade, as OSC precisam trabalhar para atrair financiadores. Hoje, em um cenário político, social e econômico tão delicado no país, essa agenda se torna ainda mais urgente.

Organizações têm sinalizado que, cada vez mais, tem se tornado desafiador encampar projetos nessas áreas. Alguns especialistas já sinalizaram que a própria democracia brasileira está fragilizada. Nas redes sociais, proliferam discursos de ódio que ganham ressonância entre grupos mais radicais da população. É preciso entender o fenômeno e atuar para fortalecer a pauta dos direitos humanos universais.

Algumas instituições já têm se movimentado, como a Conectas Direitos Humanos, organização da sociedade civil dedicada ao tema. Em parceria com a Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, está desenvolvendo uma pesquisa que busca entender o perfil e o comportamento dos doadores sensíveis à causa dos direitos para traçar melhor estratégias de captação de recursos.

Ainda em andamento, o estudo promete apontar caminhos para sensibilizar potenciais doadores brasileiros. “Queremos entender o comportamento desses indivíduos para que as organizações criem estratégias para financiar a ação em favor da defesa dos direitos humanos”, conta Juana Kweitel, diretora-executiva da Conectas.

Graciela Hopstein, da Rede de Filantropia para a Justiça Social, outra fonte que aparece na próxima edição da Série Mobiliza, chama atenção para o papel dos grantmakers (financiadores de projetos). “Temos que ampliar a percepção de que as doações de recursos via grantmaking são apoios complexos, envolvem desenvolvimento de capacidades e fortalecimento institucional das OSC. O fortalecimento da democracia no Brasil passa pela distribuição de direitos e recursos. A mobilização de recursos tem que ser vista como um ato político.”

O Instituto Betty e Jacob Lafer também tem um estudo em andamento para entender a Cultura de Doação no Brasil. Inês Lafer, diretora do instituto, chama a atenção para a importância das organizações refletirem sobre suas estratégias de comunicação com a sociedade e mobilização de recursos.

“É preciso construir um processo de mobilização de recursos estruturado de forma a gerar uma sensação de pertencimento, com experiências prazerosas e não focadas na pressão ou na cobrança. As organizações precisam debruçar-se sobre o melhor uso das ferramentas de marketing para sensibilizar doadores médios.”

Um ponto é unânime entre todos: sem financiamento para organizações que atuam com projetos de defesa de direitos, a democracia se enfraquece.


Em breve os estudos da Conectas e Instituto Betty e Jacob Lafer serão repercutidos com detalhes aqui no site da Mobiliza.


O desafio do financiamento

Voltando ao caso do IDDD, que abriu essa matéria, é possível compreender a complexidade de criar uma arquitetura, uma governança, que viabilizem um plano eficiente de financiamento. “Estamos justamente nesse momento, de pensar nossa captação de recursos. Sinto que ainda é uma área frágil, mas com muita potência.”

Em seu processo de reflexão, a organização tem olhado para uma característica bastante particular: sua rede de associados (cerca de 450 pessoas físicas, eminentemente advogados). O desenho mostra o quanto a inovação pode surgir de uma estrutura que já está dentro de casa.

“Acredito que atraímos associados porque abrimos a possibilidade deles participarem dos nossos projetos. Ao participar, eles se sentem parte de uma construção, de uma missão, de uma causa. Sentem que estão contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa. Quando temos  um associado participando de um projeto de educação dentro do cárcere ele está levando conhecimento, mas também está recebendo. Isso é um grande valor.”

Dentre diversas outras estratégias para potencializar seus esforços de captação de recursos, o trabalho com associados tem se mostrado uma grande oportunidade e um valor para instituição. É, sim, uma ação de captação, mas é também uma operação profundamente ligada ao propósito do IDDD e à ampliação da agenda da defesa dos direitos humanos no Brasil.

“Temos uma capacidade enorme de difundir a causa e de crescer como organização. Queremos que cada associado seja um porta-voz de uma causa comum. É uma oportunidade de crescimento e transformação pessoal incrível. Acho isso superpotente, muito mobilizador”, avalia Marina.

O caso do IDDD é inspirador porque mostra como é importante olhar para suas fortalezas (olhar para os recursos que sua organização já tem) ao pensar o financiamento institucional e de projetos. Além disso, fica claro o quanto o propósito da organização está no discurso o tempo todo. Talvez aí esteja uma chave importante para esse debate.  Para a diretora da organização, atuar na causa dos direitos humanos é complexo e desafiador, contudo, é, acima de tudo, uma motivação e um propósito muito sólido.

Além de todas as fontes citadas nesta matéria, o próximo fascículo da Série Mobiliza traz outros especialistas, casos de organizações e personagens para contribuir com essa discussão como Thiago Rondom, da AppCívic; Vivianne Naigeborin, da Potência Ventures; Fabiano Angélico, da Transparência Internacional; André Degenszajn, do Instituto Ibirapitanga; Sidney Silva, do Museu de Favela; e Patrícia Mandí, da Mama Ekos.

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