Organizações recomendam à ONU metas globais do clima

Geledés na ONU, incidencia internacional de Geledés Instituto da Mulher Negra

Documento elaborado por Geledés, Rede Por Adaptação Antirracista, Conectas, ISER, IEB, Instituto Alana e Vozes Negras pelo Clima apresenta à ONU o conceito de Adaptação Climática Antirracista

Geledés – Instituto da Mulher Negra se une às organizações da sociedade civil Conectas Direitos Humanos, Rede Por Adaptação Antirracista, Instituto de Estudos da Religião (ISER), Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), Instituto Alana e Vozes Negras pelo Clima no ensejo de contribuir para o documento “Matters relating to the global goal on adaptation”, que apresentam objetivos globais de adaptação. As organizações produziram uma recomendação coletiva com o objetivo de subsidiar o debate internacional nas negociações para uma agenda de adaptação antirracista.

Basicamente, a Meta Global de Adaptação, conhecida pela sigla em inglês GGA (Global Goal on Adaptation), é um compromisso coletivo vinculado ao Artigo 7.1 do Acordo de Paris, estabelecido com o objetivo de “aprimorar a capacidade de adaptação do mundo, fortalecendo a resiliência e reduzindo a vulnerabilidade às mudanças climáticas”.

A intenção evidente das organizações civis mencionadas aqui é demonstrar que a justiça climática exige justiça racial e que a justiça racial, por sua vez, exige justiça climática. Essas entidades entendem que os impactos racialmente díspares da degradação ambiental e da injustiça climática necessitam de uma reorientação das instituições políticas, da economia global e das estruturas legais para incluir justiça racial e igualdade.

“Geledés tem produzido recomendações desde o fim da Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (COP28), que aconteceu em Dubai, em dezembro passado. Achamos fundamental qualificar a agenda internacional para a agenda de combate ao racismo ambiental. A produção de uma recomendação entre organizações negras, ambientalistas e de direitos humanos qualifica ainda mais nossos pedidos junto à UNFCCC, com a transversalidade racial e de gênero. Esperamos que tanto a diplomacia quanto os co-facilitadores das negociações na UNFCCC considerem nossas recomendações”, esclarece Mariana Belmont, assessora internacional na área de clima de Geledés.

Bruno Santos - 27.fev.2023 Folhapress
Bruno Santos – Folhapress

Neste cenário de se estabelecer metas globais, as organizações civis destacam o fato de a adaptação climática estar a serviço da redução das desigualdades raciais, de gênero, classe e território, uma vez que é mais que evidente o impacto desproporcional da crise climática em relação às pessoas e territórios vulnerabilizados, como, inclusive, um legado deixado pelo colonialismo. 

De forma concreta, Geledés, Conectas, ISER, IEB, Instituto Alana, Rede Por Adaptação Antirracista e Vozes Negras pelo Clima apresentaram o conceito de Adaptação Climática Antirracista no documento, em uma ação de enfrentamento às desigualdades raciais, de gênero, geracionais, sociais, regionais e territoriais, a partir de um conjunto de políticas públicas estruturantes, interseccionais e intersetoriais. 

“Realizar submissão conjunta para o mandato de adaptação climática da UNFCCC sobre indicadores de adaptação que apontem para redução de vulnerabilidades, com organizações como Geledés, ISER, Conectas, Alana e outras é importante no sentido de ver o combate ao racismo e a nossa agenda climática antirracista ganhar força entre organizações que constroem lutas por justiça climática. Esse é um momento de unir forças para ampliar as lutas por igualdade e reparação racial e de gênero nas políticas e acordos climáticos na COP29 e COP30″, afirma Luciana de Oliveira da Rede Vozes Negras pelo Clima.

Essas políticas, como apontam as sugestões destas organizações, devem ter como foco assegurar o bem viver, a proteção das vidas vulnerabilizadas e a conservação dos biomas, através de medidas estruturais e emergenciais. Desta forma, as políticas de adaptação antirracista, em sua concepção, planejamento, financiamento, implementação, monitoramento e avaliação, precisam incorporar os saberes, as soluções e práticas populares, ancestrais e tradicionais, bem como as especificidades dos territórios.

Entre os dados que sustentam as recomendações está o fato de que, no Brasil, por exemplo, os pardos são 45% da população brasileira, sendo que eles representam 58% dos habitantes do país sem esgoto adequado e os pretos que compõem 10,2% da população, 10,4% não têm esgoto adequado. Já os indígenas são 0,8% da população e 1,4% estão sem esgoto.

Não considerar a questão racial, não reconhecer a dimensão racial da crise climática, negar o racismo ambiental é negar o racismo sistêmico que acomete a nação brasileira, atestam as organizações que fizeram algumas recomendações de indicadores.

O primeiro deles sugere que o impacto das mudanças climáticas difere em termos de raça, gênero e idade e deve ser reconhecido através de processos eficazes de produção e geração de dados específicos e de elaboração de relatórios periódicos. Na proposta, os impactos são medidos de forma territorial a exemplo das análises do Índice de Vulnerabilidade Social, no Brasil.

Outra recomendação é que raça, gênero, idade, pessoas com deficiência, bem como território e de modos de vida sejam integrados nos planos nacionais de adaptação e na prevenção de desastres, proteção e defesa civil, reconhecendo o papel das mulheres, meninas afrodescendentes e indígenas no processo de mudança e fornecendo acesso a recursos adequados para atividades de implementação das ações de adaptação climática e de recuperação após eventos climáticos extremos.

Foto Reproducao Instagram Prefeito Felipe Augusto
Foto Reproducao Instagram Prefeito Felipe Augusto

Uma questão relevante apontada no documento é o reconhecimento do protagonismo do conhecimento tradicional das mulheres em relação à adaptação climática, governança, segurança hídrica e agricultura e a sua ligação aos direitos humanos ao tomar decisões sobre o futuro do planeta. Neste contexto, seria necessário levar em consideração os estudos já desenvolvidos por cientistas e pesquisadores afrodescendentes e indígenas, com perspectivas de soluções do e a partir de seus territórios.

A titulação de territórios quilombolas e acesso à terra também são pontos cruciais nas metas globais de adaptação, com a demarcação de terras indígenas e ações que fortaleçam a gestão ambiental e territorial. 

Diante dos impactos evidentes da crise climática na vida dos afrodescendentes, as organizações recomendam também monitorar o acesso de planos de resposta ao risco de desastres em áreas vulnerabilizadas, onde nota-se, inclusive, a grande presença de afrodescendentes, assim como o acesso às informações sobre serviços públicos e dados sobre racismo ambiental em áreas racialmente vulnerabilizadas. Ainda sobre os desastres, é fundamental que haja um monitoramento sobre os dados das vítimas fatais relacionadas à crise climática.

As tecnologias abertas e a acessibilidade de dados para a construção dos processos de aplicação e monitoramento dos indicadores foram incluídas na pauta a fim de evitar possíveis distorções da Inteligência Artificial, bem como assegurar a soberania e a privacidade dos dados. E por último, mas não menos relevante, as organizações ressaltam a importância de haver uma participação coletiva de organizações, lideranças, movimento negro, jovens negros, migrantes sem documentos, refugiados, pessoas deslocadas pelo clima, crianças e adolescentes, mulheres, pessoas com deficiência, povos indígenas, comunidades tradicionais, e quaisquer outras partes interessadas no planejamento e na implementação de ações de adaptação.

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