“EU GOSTO DE SER MULHER…”
“Você não é negra, é morena.
Não, sou negra sim!
Ah! Não faz isso, você é tão bonita!
Até hoje sinto um misto de graça e indignação quando lembro desse episódio. Foi há algum tempo, quando estava num salão fazendo as unhas. Estamos em 2011 e até hoje ouço coisas parecidas. Antigamente, eu entrava em debates, discutia, reclamava, a veia saltava e tentava ganhar no grito que ser negra era tão normal como branca ou amarela.
Hoje, não grito mais! Também não discuto, não entro em debates, ajo com atitude. Sou uma mulher feliz, realizada e encaro a questão do preconceito racial como mais uma luta que, infelizmente ainda vai levar muito tempo para ser vencida. E luto ao meu modo. Sempre circulei e frequentei vários lugares desde que me entendo por gente. Já vi, ouvi e vivi muitas situações parecidas. Quando conto sobre esses momentos para os amigos, muitos não acreditam. Uns falam: “Você é exagerada, fala demais, isso não existe mais”. Outros não comentam nada, mas respondem com o olhar de descrença ao que acabo de relatar. Mas só eu sei as experiências que ainda passo…
A diferença é que atualmente respondo com o meu trabalho, com o meu talento e competência. Fico ainda muito feliz quando reconheço em outras mulheres tão bonitas e negras, juízas, protagonistas, grandes executivas, bailarinas, defensoras, cantoras e tantas outras profissionais, que sentem orgulho da sua cor, e fazem disso a coisa mais natural do mundo, como se estivessem calçando os sapatos para irem ao trabalho todos os dias.”
“VIEMOS DA ÁFRICA E NÃO DO GUETO”
Madame Ainá Garcia, carioca, 28 anos, hair e fashion designer
As mulheres negras são assim, diferentes, e é isso que nos faz iguais! Ser mulher negra no Brasil é ser forte, incansável, criativa. Inteligente, mesmo sem títulos acadêmicos. É ser mãe e pai, com ou sem filhos. É ser quente como o fogo que queima ou aquece e, ao mesmo tempo, como a água, que inunda ou hidrata. Ser afro-brasileira é SER! Nós somos e sempre seremos tudo o que quisermos.”Na minha vida sempre fui cercada por muitas mulheres negras, de todas as idades, cores e realidades e, para mim, elas sempre foram todas completamente diferentes, até o dia em que cresci e percebi que, igualmente a elas, sou completamente diferente delas. E agora que estou pronta pra fazer a minha família, ter meus filhos para ensinar tudo que aprendi com elas (que foi tudo mesmo!) começo ter uma pequena ideia do que elas realmente são e tenho certeza que a cada dia mais sou igual a elas!
E sempre somos tudo ao mesmo tempo, com uma força incansável e criativa e, em todos os momentos da vida, nunca nos esquecemos de onde viemos. Salve, Dandara, Clementina de Jesus e Laquixá. Nós viemos da África e não do gueto!”
“NÃO PODE VACILAR”
Priscilla Marinho, carioca, 27 anos, atriz
“Mulher negra no Brasil é ser digna e ousada, sempre linda e não pode vacilar, porque as pessoas estão esperando qualquer descuido para poder dizer: “Viu, não falei? O racismo no Brasil está longe de acabar e às vezes me pergunto se isso um dia será possível. Enquanto o fato não acontece, estou mostrando o meu trabalho, levando-o muito a sério, conquistando o meu espaço pelo meu talento e não pelo meu ‘fisic du’role’. Estou ensinando a minha filha a nunca abaixar a cabeça, porque é isso que os racistas querem pra poder pisar na gente.”
“UMA MISSÃO A CUMPRIR”
Eneida Barbosa, paulista, 44 anos, agente
Somos obrigadas a aceitar cotas nas universidades e na publicidade, como se isso nos fosse dado de favor. É nosso por direito! Para completar a discriminação só está faltando assento reservado no ônibus e no metrô. (risos) Ser uma mulher negra no Brasil é ter, acima de tudo, uma história para contar, ter a raiz bem fincada nas nossas origens e uma missão a cumprir.
Esta missão é ensinar os nossos filhos o orgulho de ser negro, de ter um passado – embora sofrido – de lutas , superações e vitórias, e não deixar que o preconceito envenene nossas vidas e que banalize a nossa cultura.
O que é ser uma mulher negra no Brasil? É ter que a todo o momento mostrar que se é muito mais que ‘samba e bunda’. É ter a necessidade de sempre estar atenta e pronta, pois, qualquer erro, pesa muito mais para nós. É carregar o estigma da inferioridade, embora saibamos do que somos capazes e do potencial que temos.
“SIM, PODEMOS SIM!”
Maria Gal, soteropolitana, 35 anos, atriz e empreendedora cultural
Quantas atrizes, diretoras, roteiristas, empresárias, escritoras, jornalistas, dramaturgas e produtoras negras conhecemos? Um número que, com certeza, não condiz com a realidade quantitativa brasileira. Reflexo desse passado histórico? Também!”A história da mulher negra no Brasil vem sendo marcada pela violação dos seus direitos e com inúmeros desrespeitos desde a época da escravidão, quando muitas eram usadas em diversos tipos de trabalho escravo, isso quando não eram estupradas pelos seus ‘senhores’. Hoje, o que mudou? O que é ser uma mulher negra no Brasil?
Como exemplo, vamos pegar um importante veículo de comunicação e arte: o cinema. Segundo pesquisa realizada pela cineasta Viviane Ferreira através do banco de dados de dois importantes sites sobre cinema nacional, temos os seguintes dados: 5 roteiristas brancas e nenhuma negra; 13 produtoras brancas e nenhuma negra; 42 diretoras brancas e nenhuma negra; 289 atrizes brancas para 20 negras. Por que uma atriz negra não pode fazer o papel de uma empresária de sucesso com família, ou qualquer outro personagem que fuja dos estereótipos convencionais?
Para mim, ser mulher, negra e cidadã brasileira hoje, tem como primeiro passo a consciência dessa realidade. Mas não para ficar simplesmente com os braços cruzados, reclamando de falta de espaço e oportunidade ou vivendo como num campo de batalha, e sim para propor ao mundo das mais variadas formas uma mudança de paradigma em relação à mulher negra, seja quando estou atuando ou quando estou empreendendo um projeto. Vamos ocupar os espaços que, um dia, muitos acharam ou acham que não podemos ocupar: a universidade, a biblioteca, o teatro, o cinema, a televisão, o governo…
Vamos ocupar, usando de toda a criatividade, dignidade e sabedoria. Como um mulher negra e brasileira, espero que possamos – independentemente de raça ou sexo – através do nosso papel na sociedade contribuir para alavancarmos mudanças de paradigmas benéficas à humanidade e para as próximas gerações, para que tenhamos um Brasil mais justo e democrático, aproveitando o início dessa nova era que se inicia.”
“NÃO SOMOS SOMENTE CARNAVAL”
Eduarda Santos, 17 anos, capixaba, estudante
“Fui criada num ambiente que não me proporcionava interesse para solucionar as agressões físicas e psicológicas que sofria. Os apelidos e brincadeiras maldosas eram acontecimentos constantes. Na escola, ‘o meu falar’ era só para confirmar que estava presente, o meu olhar, quando não estava direcionado para baixo, era para o quadro. Brincadeiras, só em casa…Os professores não desenvolviam projetos visando à causa negra. Meus pais não tinham oportunidade de um diálogo mais aberto. Residi em um círculo do medo, onde me fechava para tudo o que vinha de fora dele. Não conseguia achar um meio em que pudesse ser vista e ver além daquilo que estava contido neste círculo.
Comecei a mudar e a construir minhas próprias ideias quando desenvolvi o meu intelecto. Decidi abrir a minha mente para o mundo e pude ter a percepção de que negros também podem, fazemos parte da história! Ser uma mulher negra é saber valer as conquistas, é acreditar e lutar em prol da igualdade, é agregar valores de conduta em nossas ações, exaltar a beleza do intelecto e não somente a física.
É ocupar lugares de destaque, mostrando ao mundo que não somos somente carnaval, somos mulheres executivas, empresárias e negras, acima de tudo orgulhosas e conscientes do “amor e da autoafirmação de sermos pretas.”
Fonte: Rius.com