Os migrantes e a tragédia do século

Numa semana repleta de fatos relevantes para o Brasil e o mundo, destacam-se as manchetes sobre a crise humanitária que se alastra por terras europeias

por Flavio Aguiar, do RBA

Berlim – A semana foi recheada de notícias, informações e manchetes de importância. A crise financeira que se espraiou a partir da China e de sua economia que revelou suas fraquezas. O assassinato ao vivo de dois jornalistas nos Estados Unidos reacendeu debate sobre posse de armas naquele país. A recuperação, ainda que parcial, dos preços do petróleo no mercado internacional e a decorrente valorização das ações da Petrobras (que está longe de ser a massa alquebrada que nossa velha mídia quer que ela seja).

Correu mundo e manchetes o depoimento do doleiro Alberto Yousseff, na CPI da Petrobras, sobre o senador Aécio Neves ter recebido propina de Furnas. A notícia, escondida pela velha mídia brasileira, expôs a parcialidade da imprensa e a fragilidade dos vazamentos da Operação Lava Jato.

Mas as manchetes principais foram para a terrível tragédia dos migrantes na Europa. Mais de 70 corpos foram encontrados dentro de um caminhão abandonado numa autoestrada austríaca. Inicialmente a polícia estimou os corpos em 20, depois em 50 e finalmente em “mais de 70”. A imprecisão das cifras deveu-se ao adiantado estado de decomposição dos corpos. O caminhão pertencera a uma empresa transportadora de galináceos da Eslováquia, que afirmou tê-lo vendido em 2014. Estava em nome de um cidadão romeno e tinha placa da Hungria. Na manhã da sexta-feira a polícia húngara afirmou ter detido o motorista suspeito, além de alguns possíveis cúmplices.

Na quarta-feira (26) foram encontrados 50 corpos no porão de um navio no Mediterrâneo, que tinha 450 pessoas a bordo. Na quinta-feira, mais um naufrágio neste mar, desta vez ainda perto da costa da Líbia, provocou a morte de pelo menos 200 pessoas. Outras 200 conseguiram se salvar, socorridas por navios ou conseguindo chegar à terra firme.

Uma vaga de milhares de migrantes, vindos sobretudo da Síria e do Iraque, conseguiu “furar” o bloqueio do Exército da Macedônia junto à fronteira grega. A Macedônia acabou pondo trens à disposição, para que eles atravessassem o país em direção à Sérvia. De lá pretendem passar à Hungria e, depois, Europa Ocidental. A Hungria está construindo um muro na fronteira com a Sérvia, mas até o momento os migrantes têm conseguido atravessar.

Houve uma mudança de rota no caso de muitas dessas correntes migratórias. A Líbia continua sendo a rota preferida pelos que vêm da Nigéria, da Eritreia e da Somália e tentam ingressar na Europa pela costa italiana. Mas, no momento, a maior massa de migrantes vem da Síria e do Iraque, preferindo o caminho da Turquia ou da Grécia.

O fluxo de imigrantes provém de países desorganizados por guerras civis, em alguns casos com ajuda decisiva de potências ocidentais, como no caso da própria Líbia, do Iraque e da Síria. A emergência do Exército Islâmico na Síria e no Iraque só piorou a situação.

A chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente francês, François Hollande, se reuniram durante a semana para uma ação conjunta diante da questão. O maior problema está no convencimento de outros dirigentes em aceitar quotas de imigrantes refugiados.

Há forte resistência por parte de muitos europeus em assumir a responsabilidade diante do fenômeno. Nesta semana ouvi a entrevista de uma deputada polonesa, do campo conservador, junto ao Parlamento Europeu, dizendo que a Polônia não receberá esses imigrantes porque são indesejáveis, a maioria só quer se beneficiar das vantagens europeias, muitos são terroristas etc. Acrescentou ela que, caso recebesse imigrantes, o país só aceitaria “aqueles que fossem cristãos”. A deputada teve sorte de não ser eu o entrevistador, porque eu perguntaria a seguir, na lata, se esta afirmação implicava também a exclusão de judeus.

Na Alemanha prossegue o novo “esporte” neonazista: queimar abrigos presentes e futuros destinados aos refugiados. O incidente mais grave aconteceu na cidade de Heidenau, perto de Dresden, no estado da Saxônia, onde houve um confronto entre policiais e manifestantes que tentavam incendiar um desses abrigos.

Os manifestantes mais exaltados gritavam “Heil Hitler” e outros slogans nazistas. Também cantavam “Wir sind das Volk”, “Nós somos o povo”, slogan das manifestações que antecederam à queda do muro de Berlim, em 1989, e que agora está sendo apropriado pela extrema-direita.

O vice-chanceler Sigmar Gabriel, do SPD, o partido social-democrata alemão, e a chanceler Angela Merkel estiveram em Heidenau, condenando as manifestações. Depois disso, a sede do SPD em Berlim recebeu ameaça telefônica de que haveria uma bomba no prédio, que foi evacuado. Além da ameaça, a pessoa que telefonou proferiu slogans racistas. Nenhuma bomba foi encontrada.

No fim de semana estava prevista uma festa para receber os refugiados em Heidenau. Diante da ameaça, por parte de elementos da extrema-direita, de atacar o evento, o governo do estado e a prefeitura proibiram qualquer manifestação até a segunda-feira. Os partidos de oposição no plano federal (Verdes e Linke) protestaram, alegando o direito constitucional à livre manifestação. O deputado verde Cem Özdemir declarou no rádio que iria a Heidenau no fim de semana e conclamou todos os que quisessem a segui-lo.

Do outro lado do Atlântico, o pré-candidato republicano Donald Trump afirmou que, se eleito, deportará dos Estados Unidos todos os imigrantes ilegais. Um jornalista perguntou como ele faria isso, uma vez que o número de “ilegais” chega a 11 milhões.

Ele respondeu que tem muitas qualidades como manager, e que o processo de deportação seria “tranquilo” e “humanitário”. O último grande processo de deportação passiva nos Estados Unidos ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial, quando 110 mil japoneses e descendentes foram confinados em campos de concentração dentro do país, num processo que provocou traumas ainda vivos.

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