Os negros e a escravidão, apenas uma opinião

Pondé é um fracasso como animal político e racional. Rememorar a escravidão é dar início à reparação, seja da forma que for determinada pelo povo brasileiro e por suas instituições e entidades constituídas

Por DAVIS SENA FILHO, do Brasil 247

A luta do povo de etnia negra e que aportou no Brasil nos séculos passados, na triste e humilhante condição de escravo, certamente é uma das maiores infâmias, se não for a maior infâmia da história da humanidade. Até os dias atuais a escravidão reverbera de forma altissonante, porque os descendentes de escravos, que representam, no mínimo, a metade da população brasileira, ainda não conseguiram ter acessos e garantias que os permitam a se igualar aos brasileiros de outras etnias e classes sociais consideradas hegemônicas.

Esta realidade se apresenta aos nossos olhos todos os dias, no decorrer de nossas vidas, o que, sobremaneira, leva-nos a pensar e a ponderar sobre o porquê de tanta desigualdade e exclusão social, que transformam as vidas de milhões de brasileiros negros mais difíceis, com percalços e obstáculos quase instransponíveis a serem superados. Esta dura realidade, por seu turno, faz com que esse segmento social tão importante para história do Brasil viva em condições mais precárias, porque o acesso às melhores escolas, ao emprego e aos bens de consumo é quase proibitivo, porque sabemos, de antemão, que o sistema de capitais é excludente, elitista, hegemônico e violento.

Por sua vez, percebe-se também que este sistema perverso, imposto há séculos às pessoas, tem por propósito dividir a sociedade em castas sociais, porque o que interessa é o controle dos meios de produção por uma parcela pequena da população, que, além de dominar instituições importantes dos poderes da República, ainda têm a primazia de ter seus filhos, parentes, sócios, colegas e amigos a determinar os rumos da economia e, consequentemente, do trabalho, do emprego e do acesso ao dinheiro.

Os negros e outros segmentos da sociedade brasileira são praticamente impedidos de conquistar o poder. E poder, para quem não sabe ou se equivoca, não se resume apenas a cargos políticos e empresariais. Ter poder é ter acesso à educação, ao emprego de boa qualidade e de importância nas escalas de hierarquia. Por causa desses motivos, a luta, incessante, dos setores privilegiados e reacionários da sociedade para que somente seus grupos de interesses dominem as universidades públicas e as faculdades privadas de alto nível.

O acesso ao conhecimento e ao saber sempre foi um grande problema para as camadas mais pobres da população. Para termos uma ideia sobre o controle do poder pelas classes sociais dominantes, antes e durante a Idade Média só poderiam ter acesso à Bíblia os membros integrantes da nobreza e do episcopado dessas épocas. O livro sagrado pertencia a poucos, e era escrito em hebraico e latim, de forma que o conhecimento ficasse concentrado, restrito, e não se expandisse para as populações e respectivas nações por intermédio de seus idiomas.

Desta forma assim foi feito, no decorrer de séculos e milênios, o controle do conhecimento, ou seja, do poder. Somente a educação e os ensinamentos libertam, bem como a vontade de quem deseja aprender, e por isto luta por liberdade, emancipação e independência. Por causa dessas questões, imperativo se torna necessário realizar o processo de empoderamento do negro, também dos índios, dos pobres de todas as etnias, como se tem feito com as mulheres nas sociedades ocidentais, que, em apenas 60 anos, dividem com os homens, especificamente os brancos, o poder nas universidades e no mercado de trabalho.

A luta do negro para ter ascensão social é constante, sistemática e de longo tempo. Não existe data para que um dia os negros parem de lutar para serem reconhecidos como cidadãos de primeira classe, e jamais serem considerados indivíduos cujos direitos se resumem a morar nos morros, guetos e periferias, bem como apenas serem contratados para exercerem empregos maus remunerados, braçais e de segurança pública ou privada, funções e cargos, indubitavelmente, os mais perigosos, insalubres, que requerem força muscular e depois, ao se aposentarem, perceberem que estão quase aleijados quando, não, completamente sem condições para usufruírem da vida após décadas de trabalho.

A questão primordial é fazer com que as “elites” brasileiras reconheçam o passado histórico dos homens e mulheres negros, que construíram o Brasil e edificaram a nossa riquíssima cultura, pois diversificada, plural e multicolorida. Os negros não receberam terras e animais após a libertação dos escravos, que aconteceu por fatores estritamente políticos e de interesses econômicos, inclusive da potência da época, a Inglaterra, que já estava em processo de mudança de sistema econômico exemplificado na revolução industrial, um dos principais motivos para o fim da escravidão e pá de cal nos interesses da monarquia portuguesa e dos grandes comerciantes e coronéis donos de terras no Brasil.

Quase não vemos cidadãos negros e cidadãs negras como controladores de empresas, de franquias, ou seja, donos de negócios próprios. Quase não vemos juízes, professores universitários, oficiais das Forças Armadas, principalmente na Marinha, engenheiros, médicos, economistas, jornalistas, advogados e parlamentares negros. Quase não temos negros executivos de grandes empresas e nem atletas de esportes que ainda “pertencem” ao ambiente das classes mais ricas.

A resumir: os homens e mulheres negros deste País ainda não foram libertados da escravidão, porque não têm acesso a quase nada, o que, evidencia, sem sombra de dúvida, que o sistema em que vivemos é criado e talhado para servir uma pequena casta social, que ora está a exercitar seu poder econômico, político e de barganha, até porque para ter acesso aos diferentes nichos de poder é necessário ter força para negociar, e, com efeito, manter o status quo.

Afirmo ainda que a luta pela igualdade de oportunidades é renhida, sem trégua, porque as classes dominantes são as controladoras do sistema. Elas podem até ceder em pequenas coisas, a exemplo do bolsa família e de outros programas de inclusão social. Entretanto, este “ceder” é derivado de muita luta por parte daqueles que acreditam em uma sociedade justa, democrática e solidária, mas existe a compreensão de que jamais a classe dominante vai abrir mão de seus privilégios, que se materializam em forma de cartéis, monopólios, posses, regalias e prerrogativas.

É dessa forma que a banda toca no mundo dos vivos, e o som do sistema é afinado, porque se desafinar seu poder pode ser questionado nas instituições criadas e controladas pela grande burguesia, cujos valores, princípios e interesses são repercutidos, tais quais a mantras, pelas mídias corporativas, afinal é imperativo fazer com que a maioria das pessoas acredite em seus preceitos e, com efeito, defenda suas causas, que, geralmente, não coadunam com os interesses das sociedades, notadamente a brasileira.

A sociedade que hoje se encontra sob o jugo de uma parafernália midiática, que pretende impor sua agenda política, e, por conseguinte, governar no lugar dos eleitos. Por sua vez, esta “elite” tenta, incansavelmente, impedir que a distribuição de renda e riqueza, mesmo que tímida como acontece atualmente no Brasil, seja concretizada. A verdade é que os donos do establishment não querem dividir nada, por serem antidemocráticos, apesar do discurso contrário, na forma de dissimulação e hipocrisia.

O povo negro brasileiro só vai conquistar seu espaço e empoderamento se compreender que a escravidão e, posteriormente, a falta de acesso ao mercado de trabalho, às terras e à educação, bem como os preconceitos, a exemplo do racismo, é um processo moral, mercantilista e social, que visa à negação de uma etnia, a sua invisibilidade como ente humano e, por seu turno, a destruição da autoestima de quem tem origem nas camadas populares.

Trata-se de impingir a derrota em toda sua plenitude, porque lutar contra os reveses da vida com a estima baixa e a imagem distorcida sistematicamente é quase impossível, porque quebra, como se fosse um cristal, em mil pedaços o coração daqueles que saíram das classes mais pobres e expostas a todo tipo de criminalidade, violência, fome, miséria, drogas e o abandono do Estado, que se fez burguês, porque controlado há séculos pelas oligarquias que escravizaram seres humanos por quase quatrocentos anos.

De acordo com as perspectivas e os limites que o sistema de capitais impõe, sabemos que o reparo financeiro aos negros é quase impossível, bem como polêmico, o que iria gerar um debate social e jurídico sem fim, além de a mídia de mercado e seus porta-vozes se insurgirem ferozmente contra uma reparação financeira, fato este que, indelevelmente, não impede que se lute, inclusive, pela reparação no que diz respeito a valores de ordem financeira, que poderiam ser destinados aos setores de Educação, moradia, emprego e aquisição de terras para quem já está estabelecido no mundo rural, além de fortalecer e valorizar serviços colocados em prática pelo Estado àqueles que secularmente já saíram atrás na corrida pela sobrevivência.

Contudo, lembremos o que aconteceu no Brasil com o povo negro. Rememoremos a escravidão, sistema de degeneração humana e diabólico por essência. Jamais esqueçamos das injustiças que os homens e as mulheres negros sofreram no Brasil e no mundo. Quando um cidadão, com um mínimo de discernimento, depara-se com os maus escritos de gente como Luiz Felipe Pondé, o “filósofo” de prateleira da mídia engajada e conservadora, logo se torna perceptível o quanto o é perverso e leviano o status quo, que tal agente representa.

“Filósofo”? Como assim, cara pálida? Só se for da burrice, da pretensão, da exclusão, do preconceito e da intolerância. Pondé é um fracasso como animal político e racional. Ele é a subserviência ao patronato em toda sua plenitude. Rememorar a escravidão é dar início à reparação, seja da forma que for determinada pelo povo brasileiro e por suas instituições e entidades constituídas. A escravidão é a morte do que se pretende humano. É isso aí.

9olo0s

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