Os Privilegiados

 A história e estudos científicos sérios demonstram o fiasco de centenas de anos de escravização do povo negro.  Na sociedade brasileira erguida sob a égide dos mitos falhos como o da democracia racial e da meritocracia, onde a miséria, o desemprego, a população carcerária tem cor. Nessa sociedade que classifica as pessoas pela tonalidade mais escura ou menos escura. Nessa sociedade pequena parcela vive em seus palácios de cristal, nós sobrevivemos como os elefantes. Exemplarmente estudo intitulado “O Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça”, que o Ipea produz desde 2004 em parceria com a ONU Mulheres, tem como objetivo disponibilizar dados sobre diferentes temáticas da vida social, com os recortes simultâneos de sexo e cor/raça, com indicadores da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE apresenta análises como

Se examinarmos a escolaridade das pessoas adultas, salta aos olhos também o diferencial de cor/raça. Apesar dos avanços nos últimos anos, com mais brasileiros e brasileiras chegando ao nível superior, as distâncias entre os grupos perpetuam-se. Entre 1995 e 2015, duplica-se a população adulta branca com 12 anos ou mais de estudo, de 12,5% para 25,9%. No mesmo período, a população negra com 12 anos ou mais de estudo passa de inacreditáveis 3,3% para 12%, um aumento de quase 4 vezes, mas que não esconde que a população negra chega somente agora ao patamar de vinte anos atrás da população branca. (p.02)

A nossa incômoda presença não serve aos tão amados valores. Somos a constante ameaça aos sonhos injustos. No discurso do racista sempre as mesmas frases: “Não sou racista. Tenho um tio (um primo, um irmão…um parente… Meu cabeleireiro, minha faxineira…) escurinho(a).”

Todo racista tem um preto de estimação. Em alguns casos, mais de um. Isso não isenta ninguém.

Mais falas racistas clássicas… “Tá difícil pra todo mundo. Não é só para os negros não.”

“Tudo que conquistei foi com muita luta. Foi por mérito.”

Impressionante. Quando ouvimos isso, penso se é fruto da ignorância ou da canalhice. Confesso, em alguns casos, ser mescla das duas. A criatura que profere essas expressões ou desconhece todos os estudos científicos, pesquisas e formação da história nacional, ou simplesmente o faz por hipocrisia mesmo.

Outra de doer:
“Mas eu sofri bullying desde pequena. É a mesma coisa que sofrer racismo.” Geralmente aqui prolonga-se a lamúria infinita.

Hoje é o dia das confissões: diante dessa peço a Deus a presença bendita de um professor de história conhecedor das ciências humanas. Acreditem a espera de concretização desse pedido ao Senhor é digno de ser nomeado milagre.

Cara gente branca privilegiada…

Nós estudamos muito mesmo. Precisamos desesperadamente estar em todas as frentes possíveis. Enquanto muitos de vocês conseguem seus lugarzinhos macios pela cor dos olhos, nós lutamos arduamente…Temos mais de uma graduação, pós, somos poliglotas, não poucas vezes nosso currículo supera o seu… Não raro, em tantas entrevistas de emprego, diante de bancas de seleção em concursos públicos você é escolhido por sua cor.

De acordo com estudos do IPEA, mulheres negras se deparam com maiores barreiras para encontrar posição no mercado de trabalho.Em 2015, a taxa de desocupação feminina era de 11,6% – enquanto a dos homens foi de 7,8%. No caso das mulheres negras, a proporção chegou a 13,3% (a dos homens negros, 8,5%). Os maiores patamares encontram-se entre as mulheres negras com ensino médio completo ou incompleto (9 a 11 anos de estudo): neste grupo, a taxa de desocupação em 2015 foi 17,4%.

Em textos profundos publicados no site Geledès como “Por que as mulheres negras são minoria no mercado matrimonial”, de Clarice Fortunato Araújo, “Gênero, raça e ascenção social”, de Sueli Carneiro; “O amor tem cor?”, de Caroline Louise discutem a solidão da mulher negra, as agruras da vida amorosa dessas mulheres.As decepções amorosas por vezes embebidas de racismo estrutural.

Encaramos os olhares mortais sustentados pela estranheza e pelo ódio. Tratadas como bichos. Sensualizadas, corpos sem direito ao amor. A beleza não reconhecida, a beleza desvalorizada, tratada como “exótica”.

Pessoas como nós não podem se dar ao luxo de abrir a guarda. A paz é um luxo que nunca experimentei. Quando nos sentamos numa cadeira confortável – um cargo, uma promoção melhor – os espinhos nos impulsionam a lutar junto aos que não alçaram o mesmo patamar. Eu ouço o grito da minha gente pulsando dentro de mim.

Os olhares que condenam nossa existência sustentam sorrisos e boa educação. Suas palavras em vozes afáveis sufocam nossa liberdade.

Você pode se recusar a ver, mas sua omissão somente endossa os fatos. Quando você não reconhece sua posição privilegiada, está estendendo o tapete da sua soberba sobre o manto de sangue e suor da nossa gente negra.

Arquivo Pessoal

*Fernanda Rodrigues de Figueiredo é Mestra em Estudos Literários pela UFMG, graduada em Letras e pedagogia e pós graduada em Novas tecnologias da educação e neuropsicopedagogia. Atua como pesquisadora no NEIA e Literafro/FALE/UFMG, grupo NEABI/IFMG e professora da rede pública de ensino.


** Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do PORTAL GELEDÉS e não representa ideias ou opiniões do veículo. Portal Geledés oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

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