Recebi essa mensagem ontem a noite de uma mulher e não quis expor seu nome. Diariamente nós não conseguimos circular nos espaços sem qualquer tentativa de humilhação e constrangimento por sermos negros. A gente viu recentemente o que aconteceu com a Maria Julia, a Maju, a Milleni, a Gabi Monteiro e tantas outras que eu poderia ficar a vida toda citando nomes. Esses espaços são: todos. Seja no trabalho, na escola/faculdade, na rua. Todos os dias temos que matar três leões a cada esquina que a gente vira. Quantas vezes já tive que mudar de lugar porque tinham câmeras apontadas na minha direção? Qual é o dia que a gente não passa situações de violência na rua por sermos negros? Mas é aquilo: “não existe racismo no Brasil. Aqui o povo é misturado, todo mundo anda junto, todo mundo se respeita. Os negros são muito vitimistas e tem um povo que se diz do “movimento negro” que é muito chato, tudo para eles é racismo. Não pode fazer uma brincadeirinha que eles já se ofendem. Esse negócio de ser branco e negro é tudo igual. Somos todos iguais, somos da raça humana. Os negros são os mais racistas com eles mesmos porque eles mesmos se separam.”
Por Yasmin Thayná Do Brasil Post
Gostaria de acreditar que somos todos iguais se não fosse a Anistia Internacional nos mostrando que de 30 mil jovens assassinados todos os anos 77% desse número é composto por jovens negros. Esses números são pessoas.
Sem falar, em termos de representação e representatividade, que podemos trazer os dados da UERJ mostrando que, apesar de sermos mais de 50% da população, temos um baixo índice de representatividade no cinema e na televisão.
E a Angela Davis chegando no Brasil e diz “Sempre assisto TV no Brasil para ver como o país se representa e a TV brasileira nunca permitiu que se pensasse que a população é majoritariamente negra”. Queria acreditar que somos todos iguais se no meu trabalho eu não fosse a única pessoa que se autodeclara negra numa equipe relativamente grande. Gostaria sim de acreditar que somos todos iguais se eu não soubesse que todos os negros tiveram sua cultura tomada e até hoje é assim. E depois de séculos de aniquilação, massacre, embranquecimento, anulação, a gente reconstrói nossa identidade, estamos indo atrás da nossa cultura, gostando de ser quem somos, descobrindo nossa história, ocupando o espaço que a gente construiu e que nos foi tomado.
Dia desses, na PUC-Rio, mediei uma mesa que falava sobre o negro na televisão, jornalismo e cinema. Os convidados eram: Milton Gonçalves, Flávia Oliveira e Fabrício Boliveira. O Milton disse: “cada vez que alguém for racista com vocês, são três livros que vocês tem que ler.”
Vocês podem imaginar a lista que guardo comigo?
Passei 18 anos da minha vida não me reconhecendo, sem saber quem eu era, me anulando para agradar os padrões que nos são impostos. E pra mim hoje é o seguinte: dane-se os padrões.
Vocês podem tentar destruir, humilhar, constranger. Aqui não passa nada! Peita nós?
Estamos chegando para sermos os próximos narradores desse país. Somos nós: que pegamos ônibus, trem, metrô. Que passamos mais de 5h no transporte para poder trabalhar e estudar. Somos aqueles que estudamos no balanço de um ônibus às 23h da noite, aqueles que vocês nunca esperaram nada. Somos aqueles que lutamos por um lugar menos desigual não só no discurso, mas na prática, enquanto vocês cruzam os braços, dizem que somos radicais, politicamente corretos, os maiores racistas, enquanto você aí, que diz isso, discrimina na primeira oportunidade que você tem.
A quem continua perpetuando o sistema racista, seja através de qualquer mecanismo, a maior contribuição que temos para dar a vocês é fazer com que vocês percebam que o abismo é só, e somente só, de vocês.
Vocês têm a destruição, nós temos a reconstrução. Vocês nos separaram, nós estamos nos unindo.
Vocês têm pedras, armas. Nós temos os livros, as palavras, o orgulho e a vontade de mudança. Vocês têm a amargura, nós temos orgulho. Vocês têm o ódio. Nós temos o amor. E por optarmos pelo amor, já somos vencedores. Porque nunca na história desse mundo o amor deixou de vencer.