Parada do Orgulho LGBT: Saindo do armário do preconceito – Por: Leonardo Sakamoto

Pouca gente entre o pessoal que se vê como progressista, grupo em que acho que me enquadro, admite reconhecer o caminho que teve que percorrer para abandonar seu preconceito contra gays, lésbicas, transexuais, transgêneros, bissexuais. Agem como se tivessem sido, desde sempre, imunes à sociedade patriarcal, machista e homofóbica em que vivemos.

Há, é claro, alguns felizardos que foram criados em ambientes em que a convivência com a diferença foi cultivada com mais vigor do que em outros. E ao entenderem que não havia o porquê temer a diferença, ela se tornou parte de seu cotidiano.

Mãe, pai, não estou reclamando de vocês, ok? Até porque cresci em um lar em que a busca pelo conhecimento era tão importante quanto comer. Mas não foi simples começar a enxergar a vida com outras tonalidades além do preto e do branco.

Lembro o quanto ficava irritado quando era “xingado” de bicha ou boiola, do ensino fundamental até a faculdade. Ou de amigos que se afastavam quando outros, invejosos da conquista da cumplicidade, insinuavam uma relação amorosa onde só havia amizade. Recordo do meu estranhamento diante do meu primeiro amigo declaramente gay. E do bulling que ele sofria. De um casal de lésbicas que as más línguas diziam gostar de “sacanagem” e, por isso, iam para lugares afastados da escola. Mas, de fato, se não ficavam na frente dos outros era porque os outros não entendiam.

Gostaria que um professor ou outra pessoa que respeitasse tivesse me explicado que a vida era mais colorida do que aquilo que nos foi ensinado na escola e na igreja. Meu processo de aceitação, absorção e satisfação com a diferença teria sido mais fácil. E isso encorajaria amigos e amigas mas, nugar disso, o silêncio – e o sentimento de culpa.

É claro que consciência não se aprende na escola, nem é reserva moral passada de pais para filhos nas famílias. Mas sim na vivência comum na sociedade, na tentativa do conhecimento do outro, na busca não por tolerar, mas por ver as diferenças como algo positivo. Nesse sentido, pelo menos a escola poderia ser um ambiente de conexão.

E, sim, gostaria de ter recebido na escola material didático contra a homofobia – o mesmo material que não foi distribuído pelo governo federal devido à pressão de seus “aliados” religiosos.

Percebi, enfim, que alguma coisa estava mudando aqui dentro quando um de meus grandes amigos me confessou ser gay. Lembro como ele ficou tenso, talvez pelo medo de perder a amizade. Senti vergonha. Não pelo que havia me revelado, por certo, mas por precisar passar por tudo isso, não apenas comigo mas com outras pessoas, a fim de que pudesse viver a sua vida sem se esconder.

O ideal é que não houvesse armário. E, desde pequenos, crianças e adolescentes tivessem apoio dos pais para descobrirem sua orientação sexual.

Ganhei muito puxão de orelha, levei muitas broncas, tive conversas sérias com amigos e amigas que me disseram “cara, não é legal esse tipo de brincadeira”. Presenciei irmãos e irmãs de amigos e amigas que libertaram-se. Não tenho vergonha de admitir que foi um processo lento. Por sorte, a profissão me possibilitou produzir reportagens a respeito do tema.

Comecei a entender que o homem é programado, desde pequeno, para que seja agressivo. Raramente a ele é dado o direito que considere normal oferecer carinho e afeto em público. Manifestar seus sentimentos é coisa de mina. Ou, pior, é coisa de bicha. E bicha tem que ser exterminada pois subverte a figura que se espera do homem.

Mudei com o tempo. Hoje, quando leio ou ouço alguém tentando me ofender com uma orientação sexual que não a minha, acho graça, uma bobagem infantil, como bobo e infantil eu era quando isso me incomodava. E diante de um “você é gay, pois fala essas coisas”, duro e inquisidor, não raro concordo que sim. Afinal de contas, isso deveria incomodar? Com muita alegria, recebi, o Prêmio Cidadania em Respeito à Diversidade 2013, dado pela associação que organiza a Parada anualmente, na categoria imprensa. O significa que aquele moleque que passou a infância no Campo Limpo trilhou um caminho longo.

Mudei, mas não me engano. Ainda há muito chão para caminhar. É complicado ir contra a programação machista, prova disso é que me pego agindo e falando como um idiota em uma frequência constrangedora. O que posso prometer é que farei de tudo para que meu filho/filha não precise gastar tanta sola de sapato quanto seu pai gastou.

Neste domingo, na Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, serei gay. E lésbica. Transexual. Travesti. Transgênero. Bem como mulher, negro, cadeirante, indígena, não só agora, mas em todos os dias do ano.

Porque somos muitos. Mas temos que ser um. Para o desespero de muita gente.

 

Fonte: Blog do Sakamoto

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