Paris: Lavagem da Madeleine atinge a maioridade e cria a ala Mulheres da Resistência

Baianas, o padre Brien MacCarthy e o pai de santo Pai Pote na Igreja da Madaleine, em Paris, em 8 de setembro de 2019. Paloma Varón/ RFI

A já tradicional festa baiana em Paris, a Lavagem da Madeleine, chegou à sua 18ª edição neste domingo (8) com uma novidade: a ala Mulheres da Resistência, com homenagem a Marielle Franco, entre outras. O evento, inspirado na Lavagem do Bonfim, que acontece em Salvador, na Bahia, foi criado por Roberto Chaves, e traz a cada setembro o sincretismo e a música baiana para as ruas da capital francesa.

Por Paloma Varón, do RFI

Baianas, o padre Brien MacCarthy e o pai de santo Pai Pote na Igreja da Madaleine, em Paris, em 8 de setembro de 2019. (Foto: Paloma Varón/ RFI)

O cortejo, que este ano contou com cerca de 500 pessoas, saiu por volta das 13h da Praça da República, no 10º distrito, e percorreu a pé os 3,5km que separam a praça da Igreja da Madeleine, no 8º distrito. Além da tradicional Ala das Baianas, o desfile foi composto por índios – uma homenagem aos povos autóctones do Brasil –, pelos percussionistas do grupo Batala e pela nova ala, a Mulheres da Resistência. Centenas de parisienses e turistas seguiram o cortejo, muitos dançando e aplaudindo.

Vestindo camisetas e segurando cartazes com fotos de mulheres que lutaram e lutam por mais igualdade, a nova ala homenageou brasileiras e francesas como Maria Quitéria, Maria da Penha – a única homenageada viva –, Olga Benário, Leila Diniz, Carolina de Jesus, Simone Veil, Simone de Beauvoir, Olympe de Gouges, Joana d’Arc, Dandara, Anita Garibaldi e Marielle Franco, entre outras.

“Nós criamos o grupo Mulheres da Resistência, e tivemos a ideia de reunir mulheres de vários coletivos diferentes, para homenagear brasileiras e francesas que foram e que são resistência. Mulheres de épocas diferentes para mostrar para a sociedade que a resistência e a luta de mulheres vêm de longe. De Olympe de Gouges a Marielle”, explica Nellma Barreto, organizadora desta nova ala.

Durante o cortejo, as participantes abriram também faixas onde se lia “Lula Livre” e gritavam “Fora Bolsonaro”, sendo aplaudidas pelo público que se acotovelava para seguir o desfile no Boulevard Saint Martin, que foi parcialmente fechado pela Polícia para que a festa pudesse acontecer nas ruas, como a sua “irmã” baiana.

Interreligiosidade como marca

“Eu abro a igreja hoje para homenagear os negros que foram escravizados. Esta festa é uma lembrança dos tempos em que, impedidos de entrar nas igrejas, os negros lavavam as suas escadarias. Hoje estamos todos aqui reunidos para celebrar a união dos povos”; disse o vigário da Igreja da Madeleine, o americano Brien McCarthy, ao lado do pai de santo baiano Pai Pote, antes de dar o início à lavagem propriamente dita.

Após percorrerem os mais de 3km a pé da República à Madeleine, coube às baianas e ao pai de santo iniciarem a lavagem das escadarias da Igreja com alfazema. “Axé”, diziam, enquanto respingavam água de alfazema entre os presentes.

“São 18 anos de Lavagem. Para mim, ela representa o fortalecimento do povo negro, das mulheres, dos vínculos do Brasil com a França; aqui tem uma energia muito forte, uma energia contra a intolerância religiosa, contra a discriminação racial e pela união do povo branco com o negro. Estou muito feliz”, disse o babalorixá Pai Pote à RFI logo após entregar ao padre um colar vermelho de Xangô, representando a Justiça.

O vigário e o Pai de Santo rezaram juntos um “Pai Nosso”, primeiro em francês, depois em português, acompanhados pelo público em volta. “A gente pode rezar juntos, nós somos unidos diante de Deus”, declarou McCarthy à RFI.

Roberto Chaves (de prata), com o pai de santo Pai Pote (à sua esquerda) e a ala dos índios, na Lavagem da Madeleine de 2019. (Foto: Paloma Varón/ RFI)

O batuque que une

O baiano Giba Gonçalves criou o grupo Batala em 1998 e participa da Lavagem da Madeleine desde a sua primeira edição. “Estou muito feliz de participar dos 18 anos desta festa. Começamos, eu e Roberto Chaves, o criador da Lavagem, a fazer este evento na Basílica do Sacre Coeur. Só depois de alguns anos é que nos mudamos para a Madeleine, onde estamos hoje”, disse.

O percussionista, que tocou no Ilê Aiyê, Olodum e Kaoma, entre outros, tem outros 45 grupos espalhados pelo mundo. Os integrantes destes diversos grupos muitas vezes viajam para se encontrarem e tocarem juntos.

Foi o caso da inglesa Carol Richardsen. Ela é parteira em Portsmouth, na Inglaterra, e veio a Paris especialmente para a Lavagem. “Eu estou muito feliz de estar aqui, participando deste evento, vestindo roupas e tocando tambores produzidos em Salvador, na Bahia, apoiando as comunidades locais”.

A beninense Debora Elegbe participou da ala das Baianas. “Eu fui a Salvador, na Bahia, e vi como temos coisas em comum, o candomblé, o iorubá…”.

O francês Gilles Ouf, que saiu na ala da batucada, participa pela segunda vez do evento e já foi conhecer o original. “Eu fui este ano a Salvador para ver a Lavagem do Bonfim. Eu precisava ver de onde vinha esta energia contagiante’”.

Para Richardsen, a energia vem da música. “Eu nunca vi pessoas tão gentis e felizes”, comentou, sem esconder o entusiasmo.

Este ano, a festa de encerramento, com show do cantor Pierre Onassis (ex-Olodum), aconteceu em outro local.

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