Parte do Brasil tem mobilidade intergeracional superior à dos EUA

As repercussões disso no mercado de trabalho afetam a empregabilidade e os rendimentos

Mobilidade intergeracional é uma medida do quanto avançamos ou regredimos em determinadas dimensões em relação aos nossos pais. Ela está diretamente ligada ao conjunto de oportunidades que tivemos em nossas trajetórias e pode ser mensurada olhando para renda, classe social, saúde, educação ou outras medidas de bem-estar.

Nesse âmbito, vários são os fatores que afetam as chances de avançarmos na vida. Muitos deles estão fora do nosso controle. Gênero, raça, orientação sexual, origem socioeconômica dos nossos pais, local de nascimento, condições iniciais de saúde e ser portador de algum tipo de deficiência são apenas alguns exemplos.

Isso faz com que muitos comecem o jogo da vida em posições de significativas desvantagens em relação aos demais e, mesmo em países desenvolvidos, esses fatores têm uma influência negativa sobre as trajetórias individuais.

Segundo um estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que usou uma amostra de países europeus, pessoas que tiveram uma origem desfavorecida ganhavam cerca de 20% menos do que aqueles que tiveram infância mais favorecida. Além disso, a pesquisa sugere que os custos da desvantagem socioeconômica na infância para esses países poderia chegar a cerca de 3,4% do PIB anualmente,

No caso brasileiro, ao menos quando consideramos o aspecto educacional, parte da população apresentou mobilidade intergeracional superior àquela verificada nos Estados Unidos.

De acordo com os dados disponibilizados pelo Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS), a chance de um americano que esteja entre 25 e 64 anos de idade atingir o ensino superior, dado que seus pais tiveram ensino médio incompleto ou uma formação inferior, foi de 13,5%. No Brasil, esse número sobe para 14,2% quando consideramos somente a população branca e cai para 7,0% se o condicionarmos para os negros.

Entretanto, houve alguns avanços para os negros quando olhamos as gerações mais novas. Se condicionarmos àqueles que estão entre 55 e 64 anos de idade, a chance de atingir o ensino superior foi de 7,8% e para aqueles com 25 a 34 anos de idade, tal valor sobe para 11,4%. Porém, no caso dos brancos, esses números são bem superiores aos dos negros considerando as duas faixas etárias. Ele sai de 19,3% entre os mais velhos e vai para 29,7% quando levamos em conta as gerações mais novas.

Nesse contexto, equalizar a mobilidade intergeracional entre os distintos subgrupos populacionais é mais desafiador do que muitos imaginam. Isso vale não só para educação, mas também, para renda.

Em uma dissertação de mestrado defendida recentemente na Universidade de São Paulo, a pesquisadora Bruna Cricci cruzou dados da rede pública escolar de São Paulo com os da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) para investigar a mobilidade intergeracional da renda. Dentre os resultados do estudo, ela encontrou evidência sugerindo que, mesmo frequentando escolas que apresentam melhor desempenho escolar da rede pública de ensino, a mobilidade intergeracional dos negros é menor do que aquela verificada entre os brancos.

Nos últimos anos, a literatura acadêmica tem estimado o poder explicativo das várias variáveis que afetam nossas chances de progredir. No que diz respeito à educação, por exemplo, as desvantagens socioeconômicas afetam profundamente o processo de aprendizado e o desenvolvimento infantil, tendo assim, um impacto nas habilidades adquiridas no decorrer das vidas. As repercussões disso no mercado de trabalho afetam a empregabilidade e os rendimentos. E o impacto não ocorre apenas no acesso aos bens materiais, mas também no desenvolvimento socioemocional.

Este texto é uma homenagem à música “Meu Guri”, de Chico Buarque

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