Pedagogia africana: uma conquista árdua

Por: José André da Costa

A lei 10639 é um “chamado” à população brasileira para despertar do “sono sócio-pedagógico” e trazer a lembrança civil de que todas as marcas africanas no Brasil é uma referência da formação cultural brasileira. O assunto foi debatido durante o programa Por falar em Ecologia do último sábado

 


A educação é uma conquista cara e árdua para o ser humano. A educação não é um ato evolutivo, espontâneo, mas é fruto de um processo de ensino e aprendizagem que acontece historicamente como pilastra da cultura e da sociabilidade humana. Na pedagogia a questão central gira em torno do sujeito condutor de processos. A pergunta chave é: qual é a mediação sócio-político-simbólica desse sujeito condutor? A sociedade moderna organiza-se num símbolo máximo, a tecnologia. Em nome do pretenso progresso, o “projeto modernista” vem manipulando a natureza, o ser humano, para o bem-estar de uma minoria opulenta, escondida na roupagem da tecnocracia, que comanda os instrumentos de dominação. Diante da dependência e do atrelamento popular aos instrumentos de dominação, exigem-se dois níveis de reação. Por parte da pedagogia popular, maior articulação e maior formação de agentes e de líderes das comunidades, e uma articulação da cidade com as forças mais combativas nela existentes, para destruir ou esvaziar os instrumentos de dominação e construir organismos populares autônomos, democráticos e de massa.

A relação entre educação e pedagogia nos abre a possibilidade de nomear muitas ações, sendo uma delas a cultura africana, que depois 500 anos da “descoberta” do Brasil passa ser obrigatória nos currículos do ensino fundamental. Há uma lei Federal que normatiza esta exigência, a Lei nº 10639 de 2003. A complexidade dessa temática da cultura africana se dá no campo analítico da distinção entre pedagogia e educação. É aqui que se compreende o aforismo político-pedagógico que ninguém se educa sozinho, mas que nos educamos comunitariamente mediado pela cultura.

No Brasil, como pensar uma educação emancipadora sem a cultura africana? É claro que o processo educacional não implica necessariamente em escolaridade esclarecida, mas na ação sócio-comunicativo-cultural que tem início no espaço da responsabilidade cultural/racial e no respeito ao reconhecimento à alteridade do Outro. O ato educativo é um acontecimento societário que implica presença e linguagem do sujeito condutor de processo histórico. Assim pode-se dizer que o ato educativo-cognitivo implica aspecto de ordem psíquico-epistêmico-antropológico. Por isso, exigir que a cultura e a história africanas façam parte do currículo do ensino fundamental está para além de uma ação pedagógica, mas trata-se do reconhecimento ético da alteridade do Negros/as que foram a base da formação sócio-econômica do Brasil.

A educação como uma constante antropológica é um movimento interativo que articula a subjetividade, a cidadania e a emancipação. É neste tripé que a proposta do ensino da cultura africana está implicada como ato de responsabilidade política para incrementar a ciência pedagógica. Não há educação emancipada sem projeto político de sociedade. Sem utopia social não se constrói a sociedade nova, sonhada e desejada. A escola como instituição gestora da cidadania é o espaço privilegiado para construir as relações humanas do respeito e da responsabilidade ética. A dignidade política da educação se justifica no cuidado com o Outro, com o diferente sócio-culturalmente. Sem o reconhecimento da diferença não há legitimidade ética do processo de ensino e aprendizagem. A excelência educacional é, acima de tudo, um ato político de visão de mundo. Não há neutralidade no processo educativo. O ato de aprendizagem é sempre uma atitude genuína da pedagogia. Isto é a arte de promover a sociabilidade humana. Por isso, sem definição de projeto político que vise à emancipação das culturas oprimidas, a educação pode-se transformar em um ato de adesão e de conformidade com o status quo conservador, sem promover a transformação necessária para a promoção da educação cidadã.

Fica subentendido que autênticas forças do movimento popular podem reforçar sindicatos e partidos políticos e vice-versa. Mas deve acontecer concomitantemente com respeito à alteridade. Este é um dos aspectos mais difíceis da questão enfocada, no que tange à história e a cultura africana. Como manter a justa multiplicidade sem enfraquecer a articulação e a canalização política mais ampla das forças populares? Que significa isto? Construir uma pedagogia plural, como forma e alternativa para educação dos sujeitos populares. Pensar, hoje, uma pedagogia plural é perceber, de perto, os desafios que histórica africana apresenta para seu reconhecimento sócio-ético-político para ser inserida integralmente nos currículos do ensino fundamental. A Lei 10639 é um “chamado” à população brasileira para despertar do “sono sócio-pedagógico” e trazer a lembrança civil de que todas as marcas africanas no Brasil é uma referência da formação cultural brasileira, que quando resgatada, reconhecida, apropriada pelos educadores e educandos, num primeiro momento, ganhará status de memória. Memória que alicerçará a consciência histórica, política e pedagógica dos sujeitos. Afinal, propor uma pedagogia popular mediada pela cultura africana é querer a alteridade, hospitalidade, solidariedade e a diferença como relação primeira.

 

Fonte: Diário da Manhã

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