‘Perda irreparável pro movimento negro’, diz Geledés sobre morte de Solimar

FONTEEcoa, por Lucas Veloso
Solimar Carneiro

Desde o dia 14 de maio de 1888, dia seguinte à assinatura da Lei Áurea pela princesa Isabel, a população negra então “liberta” passou a lidar com o desemprego e a falta de oportunidades. Passados 135 anos da dita abolição, as pessoas de pele escura no Brasil enfrentam dificuldades no mercado de trabalho.

A maior parte dos 66 anos em que viveu, Solimar Carneiro, fundadora e diretora do Geledés Instituto da Mulher Negra, dedicou seu tempo, inteligência e ação a projetos de inserção de pessoas negras no mercado de trabalho, na busca pela promoção da igualdade de oportunidades.

Entre as iniciativas que coordenou, está a das Promotoras Legais Populares (PLPs) de Geledés, que capacita mulheres negras para o exercício da cidadania plena e o enfrentamento das diversas formas de violência, como a discriminação de gênero e raça.

Ativa e comprometida com os desafios da comunidade negra no Brasil, Solimar era bastante conhecida e reconhecida pela importância do trabalho.

Sua partida nesta terça-feira (11) causou profunda tristeza para familiares e colaboradores da instituição que ela levantou com as próprias mãos, ao lado da irmã, a filósofa Sueli Carneiro.

Durante sua trajetória, Solimar ocupou a presidência do Geledés por dois mandatos, de 2003 a 2009. Além disso, ele coordenou iniciativas significativas como o projeto Griô e o Rappers, fundamentais para fortalecer o Hip Hop como uma expressão cultural e plataforma de manifestação para os jovens negros.

Em nota, a entidade fundada por ela disse que a morte de Soli, como chamavam os mais próximos, é uma perda irreparável para o movimento negro e o movimento de mulheres negras.

“Todos aqueles que tiveram o privilégio de trabalhar ao lado de Solimar Carneiro expressam profundo carinho por todos os momentos memoráveis que passaram com essa grande líder”, afirma o texto. “Obrigada por tudo, Soli”, conclui o comunicado oficial do Geledés.

‘Salve o tempo’

Advogada, escritora e ativista feminista do Movimento Negro, Lenny Blue é uma das admiradoras afetadas pela perda da amiga. A parceira faz questão de ressaltar que quem deu aconchego e acolhida ao Hip Hop foi Solimar.

“O rap não teria a importância e o alcance de hoje se não tivesse tido a dedicação e olhar atento dela. Lógico que junto com a Sueli [Carneiro], mas ela tava bem à frente dessa questão”, pontua.

Uma outra situação que marcou Lenny foi um encontro das duas em que ela disse à Solimar que estava feliz. Com mais de 60 anos, naquele dia tinha recebido a confirmação de que um artigo seu havia sido publicado em uma revista de grande porte. “Aquilo foi um presente. Ela me abraçou, ficou feliz, disse ‘salve o tempo’ e até disse para eu mandar para o Geledés”.

Novas gerações

A importância de Solimar não ficou parada em um período de tempo, mas alcança a nova geração. Layne Gabriele atua como articuladora social, consultora de linguagem, gestora de projetos e pesquisadora na área de psicolinguística. Além disso, é a fundadora do Laboratório Ádapo, um hub de inovação, espaço dedicado à tecnologia e educação para jovens e adultos na periferia de Campinas.

Ela diz lembrar que ficou tocada quando teve a oportunidade de conhecer e se identificar com a história de Solimar por meio do acervo de Geledés disponível no Arquivo Edgard Leuenroth (AEL), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

“Na imersão no arquivo, através de fotos, letras e registros, embarquei em uma viagem no tempo”, comenta. “Elas eram pessoas que reconheceram e ouviram a subjetividade, intelectualidade e talento daqueles jovens em uma época em que a cidade de São Paulo se esforçava para reforça o processo de marginalização social, o racismo, o preconceito e a violência que afetavam sistematicamente os jovens negros periféricos”.

Para Layne, conhecer Solimar Carneiro foi a possibilidade de vislumbrar a figura de uma mulher negra no enfrentamento a um sistema que a programou para ser excluída e invisibilizada. “Foi um momento significativo, não apenas para mim. Abriram-se portas e possibilitaram-se novos diálogos, que ecoam até os dias atuais. O seu legado é a valorização da vida, da arte e do ser”.

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