Pesquisadores fazem um retrato do posicionamento da igreja evangélica no combate ao preconceito e na promoção de debates sobre igualdade racial

Pesquisadores fazem um retrato do posicionamento da igreja evangélica no combate ao preconceito e na promoção de debates sobre igualdade racial

Pesquisadores apontam sinais de racismo e omissão da comunidade evangélica 

O fato narrado a seguir ocorreu em julho deste ano. O pastor Stan Weatherford, líder de uma igreja batista, de maioria branca, da cidade de Crystal Springs, no estado americano do Mississipi, se recusou a celebrar uma cerimônia de casamento pelo fato de os noivos Charles e Te’Andrea Wilson serem negros. A decisão foi motivada pelo posicionamento dos membros da igreja, que não queriam a realização da cerimônia no local. O incidente virou notícia em todo o mundo. Alguns argumentam que tal situação só ocorreu por serem os EUA um país marcado pelo racismo. No Brasil, o preconceito racial nas igrejas não é tão aparente, mas ele existe. No mês em que se comemora o Dia da Consciência Negra, pesquisadores da questão racial dentro das igrejas evangélicas fazem uma análise reveladora do tema.

Para o doutor em Antropologia e militante do Movimento Negro nas Igrejas Metodistas, Rolf Malungo de Souza, as igrejas evangélicas, incluindo as chamadas tradicionais, sempre se mantiveram longe das discussões raciais, desde sua chegada ao Brasil, há cerca de 150 anos.

“Em geral, as igrejas negam o racismo, tal qual a sociedade brasileira; e, quando a discussão é levantada, alguns dizem que estas questões não devem ser ‘trazidas para dentro a igreja’. Mas creio que, mesmo dentro da igreja, vemos que negros e brancos são tratados de forma diferente. A cor da pele determina o local que cada um vai ocupar como, por exemplo, a cozinha e a música que, em geral, são ocupadas por negros. Os brancos ficam nas posições de comando”, diz o antropólogo, já polemizando. 

Secretário executivo da Comissão Ecumênica Nacional de Combate ao Racismo (Cenacora), Hernani Francisco da Silva, é um dos líderes da Igreja Pentecostal O Brasil Para Cristo. Em 1991, fundou a Sociedade Cultural Missões Quilombo com o objetivo de modificar a visão que as igrejas evangélicas têm da cultura negra. Autor de vários livros, entre esses, Movimento negro evangélico: um mover do Espírito Santo?, publicado pelo Selo Negritude Cristã, Silva tem uma visão que pode soar, por vezes, radical. Mas, nem por isso, é historicamente incorreta.

“O passado pode nos ajudar a entender a relação da Igreja Evangélica Brasileira com o negro ontem e hoje: sua cumplicidade na escravidão, sua omissão no passado e no presente diante do racismo e seu silêncio no púlpito com a temática negra. Os primeiros missionários que aqui chegaram, no século 19, eram americanos, vindos do Sul escravagista e, por isso, não conseguiam ver a incompatibilidade entre escravidão e fé cristã”, explica Silva. 

O pesquisador faz um alerta ainda ao surgimento de certas correntes teológicas racistas. Segundo ele, há uma linha de estudo das maldições hereditárias segundo a qual o povo negro é considerado uma raça maldita. “A Batalha Espiritual reforça a demonização do povo negro. Se olharmos cuidadosamente os livros que tratam do assunto, como por exemplo, Este mundo tenebroso, de Frank E. Peretti, veremos que no exército de Deus são todos brancos e louros enquanto que, no exército do diabo, são todos negros”.

Silva acha que, por desconhecimento de causa, os evangélicos brasileiros se omitem ainda de discussões sociais importantes como a questão das cotas raciais. “A mais alta corte de Justiça do país admitiu não só que existem brasileiros tratados como cidadãos de segunda classe, mas que eles têm direito a um tratamento especial para vencer sua desigualdade. Mas, infelizmente, as igrejas evangélicas ficam de fora desse debate tão importante para a sociedade brasileira”. 

O pastor batista Marco Davi de Oliveira, coordenador da Aliança de Negras e Negros Evangélicos do Brasil (Anneb),faz questão de destacar a contribuição negra à Igreja Brasileira. Ele lembra que foram os negros que abriram suas casas para o início das congregações.

“Se fizermos uma pesquisa veremos a disponibilidade dos negros na evangelização. Eles contribuíram como ninguém para a música evangélica no Brasil. Também são eles que mais sustentam as suas igrejas. Mesmo pobres, são fiéis em sua maioria com dízimos e ofertas. Acho ainda que os negros deram à cultura o jeito de ver as coisas, a maneira de adorar ao Senhor neste país”, diz Oliveira, que é mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo, escritor e articulista.

A boa notícia é que, a partir da discussão do tema nas comunidades cristãs, esse comportamento tem mudado: “Em vários momentos em que pude conversar em igrejas sobre o assunto, tive a grata satisfação de ver pessoas se vendo racistas durante a palestra. O choque destas pessoas foi muito grande. Algumas choravam muito, outras pediam perdão a Deus”, festeja Oliveira, com o sucesso de seu ministério.

Fonte: Jornal Nosso Tempo

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