Primeira-ministra, presidenta, CEO de empresa, não importa: a beleza da mulher tem que vir em primeiro lugar
“A louraça primeira-ministra da Dinamarca provoca saia justa entre o casal Obama”, diz o título da coluna de um site. Louraça, assim, sem nome. Quem se importa? O importante é que Helle Thorning-Schmidt seja “bela, alta e loura”, além de ter “celebrados olhos azul-turquesa” e andar de saltos altíssimos.
O que ela faz, como chegou ao poder, qual o trabalho dela como primeira-ministra? Não faz a menor diferença. Nas palavras de Naomi Wolf, em “O Mito da Beleza: “As trabalhadoras mais emblemáticas do Ocidente continuavam visíveis se fossem ‘lindas’, portanto visíveis, mas sem receber nenhum crédito pela competência. Ou poderiam, ainda, ser ‘competentes’ e ‘sem beleza’, portanto invisíveis, de tal forma que a competência de nada lhes valia”.
Os comentários sobre a aparência de Thorning-Schmidt não são novidade. Atingiram, inclusive, a outra mulher envolvida na “polêmica” de ontem: Michelle Obama, mesmo adotando um penteado liso (aproximando-se do ideal de beleza ocidental, mesmo sendo negra), foi criticada duramente quando resolveu usar franjas. Por outro lado, os braços da primeira-dama são invejados, copiados em cirurgias plásticas e revistas fazem até passo-a-passo de como conseguir a musculatura de Michelle. Os braços de Michelle Obama, como se estivessem totalmente descolados da pessoa que ela é, ganharam até um Tumblr.
Embeleze o mundo: esta é a mensagem. Posso até te dar um poderzinho aqui, mas não há negociação, seja bonita, Enfeite a festa, o velório, o jogo de futebol, a reunião de negócios, o que for. Mas esteja maquiada, de salto alto e, se rolar, um decote sexy sem ser vulgar.
Todos param para prestar atenção quando é uma mulher bonita falando. Vejam até o Femen, grupo não feminista (importante frisar isso). Sempre que havia manifestações do grupo, os jornais repercutiam o fato, sempre com muitas fotos e quase nenhum texto. Com sorte, alguma legenda. Porque são mulheres brancas, magras, loiras, e com “os seios no lugar”.
O mesmo não acontece com os homens. Eles podem envelhecer; as rugas, inclusive, são até consideradas sinal de maturidade. Cabelos grisalhos? Charmosérrimos. Também ninguém pergunta de qual estilista é o terno, a gravata ou o sapato, como fizeram com Hillary Clinton há alguns anos, em uma entrevista que ficou famosa pela resposta da ex-Secretária de Estado:
Entrevistador: Quais são seus designers favoritos?
Hillary Clinton: O quê? Designers de roupas?
Entrevistador: Sim.
Hillary Clinton: Você perguntaria isso a um homem?
Entrevistador: Provavelmente não. Provavelmente não.
Nossa presidenta também passa por questionamentos parecidos. Antes das eleições, o rejuvenescimento de Dilma Roussef foi visto com clareza – plásticas, tratamentos, corte de cabelo especiais. As roupas que ela usa geram até slideshow com os looks usados pela presidenta.
Quando se quer desmerecer o trabalho de uma mulher – por mais poderosa e competente que ela seja – o primeiro “xingamento” utilizado é o da aparência. Naomi Wolf, mais uma vez, mostra que esta é uma batalha quase invencível (mas continuaremos lutando): “Pela forma como a beleza e o trabalho ao mesmo tempo recompensam e punem as mulheres, elas nunca esperam por coerência – mas pode ter certeza que elas continuarão tentando. Buscar a beleza e a qualificação de beleza no local de trabalho agem em conjunto para mostrar às mulheres que, no que lhes diz respeito, a justiça não existe. Que a injustiça é apresentada a uma mulher como imutável, eterna, apropriada e com origem em si mesmas, como se fosse uma parte delas, assim como sua altura, cor do cabelo, gênero e o formato dos seus rostos”.
Fonte: Carta Capital