Poesia no metrô faz viagem ficar mais leve e dá sustento

O trajeto de ida e volta para casa do trabalho pode ser cansativo, estressante, sem graça. Com isso em mente, os jovens do coletivo Poetas no Vagão decidiram levar um pouco de sua arte para dentro do metrô. Atuando no início da Linha 4, onde os intervalos entre as paradas são maiores, o grupo rapidamente transforma passageiros em público ao pedir licença para declamar seus poemas, que versam sobre racismo, violência, machismo e corrupção. Assim, nos sete minutos entre as estações Jardim Oceânico e São Conrado, os 20 membros do grupo encontraram uma forma de sustento, enquanto lidam com diferentes formas de preconceito.

Por Paulo Assad Do Extra

Os jovens do coletivo Poetas no Vagão começaram a se apresentar na Linha 4 no ano passado: sete minutos para fazer arte Foto: Paulo Assad

— Lidamos com muitas críticas. Falam mal da nossa aparência, do nosso vocabulário. Já até acharam que nós éramos assaltantes. Devia ser porque é muito preto junto… Mas também tem muita gente, e eu diria que é a maioria, que agradece a gente. Já vimos pessoas chorando com as nossas apresentações — diz Fernando Maia, 19 anos.

Com o nome artístico Mai, ele é um dos membros fundadores do coletivo. Nascido no Parque Barão do Amapá, em Duque de Caxias, o rapaz cresceu cercado de influências musicais por conta de sua mãe, professora de música. O projeto dos Poetas No Vagão nasceu quando ele e um amigo, Paulo Henrique Moura, vulgo Contente, arriscaram levar suas composições para além das rodas de rap a que estavam acostumados. O primeiro contato com um outro tipo de público não deu muito certo:

— Começamos nos apresentando no terminal do trem Jardim Gramacho, afinal é muito mais perto de onde morávamos, na Baixada. Mas o público de lá não entendia o que fazíamos, era indiferente. Olhava para nós achando que éramos malucos. Acredito que a culpa nem seja dos passageiros. O acesso a diferentes formas de arte e cultura é muito difícil de onde viemos — explica Contente, lamentando ainda a falta de teatros na Baixada.

A falta de receptividade do público, que significava pouco dinheiro depositado no chapéu no fim das apresentações, não foi o único problema. Houve também atritos com camelôs e outros artistas de rua. O espaço no trem, segundo explicam, é muito disputado. E as poesias não eram bem vistas pelos ambulantes, que enxergavam ali uma concorrência. Após um episódio de ameaça, veio a decisão de buscar outro local para se estabelecerem. Acabaram escolhendo a Linha 4 do metrô por oferecer um tempo maior para as apresentações entre as estações.

A essa altura, o grupo já havia crescido. Juntaram-se à trupe Camila Goulart, de 20 anos, namorada de Mai, e Filipe Westt, de 22. Eles começaram a fazer suas primeiras apresentações no metrô na segunda metade de 2017 e encontraram um cenário diferente do trem. O público, agora, era mais receptivo, mas também dado a reações negativas. Quando entravam no metrô, havia quem se assustasse e trocasse de vagão agarrado à bolsa. Outros falavam mal das letras das músicas. Apesar disso, os Poetas No Vagão julgam que a mudança foi positiva.

— Temos várias histórias para contar. Uma vez uma moça que trabalha no SUS chorou com uma composição nossa sobre corrupção. Em outra, um passageiro veio nos falar que melhorávamos o dia dele sempre que nos encontrava no caminho do trabalho — comenta Felipe, apontando que nessa época ele e Mai perceberam que podiam abrir mão dos seus empregos e viver apenas do que conseguiam nos vagões.

Com o tempo, mais jovens foram se juntando aos Poetas No Vagão, totalizando os 20 membros atuais do coletivo. Há três meses, os quatro fundadores do grupo colocaram na ponta do lápis os custos que tinham diariamente. O dinheiro gasto com transporte do metrô até a Baixada Fluminense era o equivalente a um aluguel na Ilha da Gigóia, na Barra da Tijuca, para onde se mudaram em maio deste ano. Por sorte, conseguiram um preço mais em conta do que esperavam:

— O dono do apartamento tinha visto uma apresentação nossa no metrô. Ele gostou e foi simpático conosco, dando um desconto — conta Westt, apontando ainda outras portas que se abriram graças ao reconhecimento de fãs dos poemas do grupo:— Estão fazendo um documentário sobre a gente. Também já recebemos convites para participar de peças de teatro.

Em comum, todos os jovens poetas têm por trás de si episódios de violência, desigualdade e preconceito. Como explica Ana Beatriz Gak, a mais nova integrante do coletivo, cada um deles encontrou na arte uma válvula de escape. Ela própria tem sua história: saiu de casa aos 11 anos, após brigas com a família. Hoje, com 20, cuida de uma criança de 2. Sem dinheiro para alimentá-la, teve que deixá-la com os avós mediante um acordo. Há seis meses, não vê o filho.

Outra poeta, Camila, relatou ter presenciado cenas de violência doméstica, que deixaram marcas psicológicas na mãe:

— O mais importante desse coletivo é que montamos aqui uma família. Todos nós nos amamos e nos ajudamos.

Alguns dos poetas não mantêm contato com suas respectivas famílias, que desaprovam a escolha feita pelas moças e rapazes do coletivo.

— Dizem que a gente vive de esmola. Não entendem que quando viemos para o metrô declamar nossas poesias, estamos também trabalhando. Muitos ainda mantêm seus empregos, mas já tem gente entre nós se sustentando do que consegue aqui — comenta Camila, concluindo: — Se não é fácil para quem tem dinheiro, imagina para nós, que nunca tivemos muita coisa. Fazemos poesia por amor.

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