Políticas sociais: a urgente mudança de patamar

Voltar ao que tínhamos antes não basta. É preciso ousadia para resolver a atual emergência humanitária e garantir o crescimento futuro

O Brasil precisa de políticas sociais inovadoras e mais ambiciosas. De um lado, porque anos de desmonte continuado das que construímos levaram-nos a uma emergência humanitária, cuja face mais cruel são 33 milhões de pessoas passando fome. De outro, porque a transição demográfica e profundas transformações na economia e no trabalho — cada vez mais dependentes de conhecimento, da criatividade e da capacidade de aprender ao longo da vida — agregam à emergência humanitária urgência histórica.

Quais políticas seriam? Voltar ao caminho que trilhávamos antes do desmonte será um grande desafio, mas é insuficiente. Precisamos da ousadia para inovar no desenho e na implementação, como fizemos, por exemplo, ao criar o SUS, ao derrotar a hiperinflação com o Plano Real e ao instituir, unificar, expandir e aprimorar programas de transferência condicionada de renda no início deste século.

Não podemos esquecer que garantir o crescimento econômico é fundamental, mas a História é repleta de evidências de que ele não basta, sobretudo em realidades de elevada desigualdade. Portanto, além do crescimento sustentável, precisaremos de novas políticas sociais que busquem simultaneamente reduzir desigualdades e aumentar a mobilidade social das populações mais vulneráveis.

Quanto ao escopo, precisam fazer cumprir o que a Lei Orgânica da Assistência Social e outras normas setoriais — em educação, saúde, moradia, trabalho etc. — prescrevem: assegurar ofertas de serviço públicos a partir de uma concepção da multidimensionalidade das demandas e necessidades dos sujeitos, conforme os direitos fundamentais estabelecidos na Carta Magna. Como fazer isso?

Primeiro, desenvolvendo a capacidade estatal para identificar situações individuais e familiares complexas, tanto em termos de demandas como de potencialidades, construindo com — e não para — os cidadãos trajetórias flexíveis, continuadas e eficazes, garantindo assim imediatamente os mínimos necessários à vida digna (da segurança alimentar à inclusão digital) e, gradualmente, a melhoria nos níveis de qualidade de vida e inserção produtiva.

Trata-se de aumentar a qualificação da burocracia de rua e da capacidade de execução do Estado e, ao mesmo tempo, considerar os cidadãos como titulares de direitos e não meros usuários de serviços públicos. Aqui, por exemplo, por que não partir da experiência do Saúde da Família e criar Agentes de Desenvolvimento Social para construir esses planos de mobilidade social com os mais vulneráveis?

Segundo, assegurando a oferta das políticas públicas setoriais. Afinal, se uma família é referenciada para um serviço que não é ofertado ou incapaz de atendê-la adequadamente, o problema não está na falta de intersetorialidade, mas na insuficiência ou fragilidade das ofertas setoriais. A estruturação do serviço passa pelo conhecimento setorial específico, mas também pela responsabilidade pública para com a qualidade do desenho, da implementação, do monitoramento e da avaliação das intervenções.

Terceiro, em termos operacionais, a transformação digital traz a potência de facilitar a integração de sistemas setoriais (CadÚnico, DataSus, Inep etc.), que pode otimizar a focalização dos serviços, acelerar os fluxos de referência e contrarreferência e propiciar melhores mecanismos de monitoramento e avaliação constantes.

Por fim, devemos expandir e aprimorar as políticas de trabalho. No Brasil, como na média da OCDE, o gasto público com mercado de trabalho é de cerca de 0,5% do PIB, mas somente 0,0004% desse montante é aplicado em qualificação profissional, proporção muito inferior à média da OCDE (0,12%).

Como promover inclusão produtiva dos mais vulneráveis se não oferecermos qualificação profissional, sobretudo com a tendência de aumento do desemprego estrutural no Brasil? E o que será deles quando, em 2050, segundo o IBGE, nossa população acima de 60 anos for superior àquela entre 20 e 49 anos?

Ou fazemos o que tem de ser feito agora ou ficaremos presos à “armadilha da renda média”, em que a renda per capita é superior à dos países mais pobres, mas muito inferior à dos desenvolvidos, com desigualdades e outras ineficiências impedindo que alcancemos os últimos. Nenhum país obteve o status de desenvolvido depois de ter completado a transição demográfica. Em suma: é agora ou, possivelmente, nunca.

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