Delegação brasileira participa das pré-sessões da RPU da ONU, na Suíça, com recomendações sobre discriminação racial no Brasil

Em vistas da proximidade da revisão do Brasil no 4o. Ciclo da Revisão Periódica Universal (RPU), entre os meses de julho e agosto, o Instituto Internacional sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) promoveu uma série de encontros entre organizações da sociedade civil que trabalham com o tema de raça, gênero e orientação sexual no Brasil com Embaixadas em Brasília e suas respectivas Missões Permanentes, na cidade de Genebra, na Suíça. A Revisão Periódica Universal é um mecanismo desenvolvido pelo Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), para avaliar a situação de direitos humanos em cada um dos países-membros da ONU.

Os encontros em Genebra aconteceram entre o dia 29 de agosto e 02 de setembro, dos quais participaram as seguintes organizações: Grupo Conexão G de Cidadania LGBT de Favelas (RJ), representado pela atual Diretora Geral Gilmara Cunha, mulher trans, líder comunitária e ativista de direitos humanos; ONG Criola (RJ), com a presença de Mônica Sacramento, Coordenadora de Projetos da Instituição; Instituto Marielle Franco (RJ) com sua Diretora Executiva Anielle Franco; Geledés – Instituto da Mulher Negra, representado por Nilza Iraci, Coordenadora de Incidência Política. Por Raça e Igualdade, estiveram presentes o Diretor Executivo, Carlos Quesada; David Veloso, Coordenador do Consórcio de Direitos Humanos; Gaia Hefti, Oficial de Advocacy em Genebra; e Leilane Reis, Oficial de Raça e Gênero do Brasil. 

Devido a importância de demonstrar no âmbito regional e internacional o atual quadro de violações dos direitos humanos no país, além do propósito de buscar conscientizar sobre a necessidade de recomendações mais direcionadas para a população negra, LGBTI+ e para os povos indígenas, essa delegação tem participado ativamente na articulação perante esse mecanismo de direitos humanos através do envio de relatórios. Tendo em conta este propósito, a agenda em Genebra representou uma continuidade do trabalho de incidência política em Brasília. Foram cinco dias de reuniões com foco na visibilização do atual cenário sobre discriminação racial no Brasil, levando às Missões Permanentes, ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), e aos especialistas independentes recomendações específicas sobre o tema. 

Agenda Genebra

No dia 30 de agosto, diversas organizações brasileiras foram selecionadas pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, para discursar sobre a situação do país durante a pré-sessão da RPU e levar as recomendações ao Estado brasileiro, que também estava presente no evento, com sua Missão Permanente. Cabe ressaltar que o Relatório do Estado brasileiro para avaliação do IV ciclo da RPU só foi publicado na véspera da pré-sessão da RPU, fato este que interfere no conhecimento da sociedade civil da veracidade e justificativas do país perante a atual situação de direitos humanos. Representando a delegação brasileira, Anielle Franco foi convidada pela organizadora das pré sessões, a ONG UPR Info, para discursar sobre a brutalidade policial no Brasil e os atravessamentos do racismo, e trouxe à luz as recentes chacinas do Rio de Janeiro e o assassinato da jovem negra grávida Kathlen Romeu: 

“Estes são casos que indicam que a morte da população negra no Brasil é uma questão sistêmica, promovida pelas autoridades brasileiras e encoberta pelas forças policiais. Em vez de investigar os massacres e a violência discriminatória contra a população afro-brasileira, o governo e a polícia brasileira tentam legitimar estas operações policiais e atacar organizações brasileiras de direitos humanos, tais como o Instituto Marielle Franco.”

No dia 31 de agosto, Dia Internacional das Pessoas Afrodescendentes, Raça e Igualdade realizou um evento híbrido (virtual e presencial), que contou com a participação da delegação presente em Genebra. Intitulado “Discriminação Racial no Brasil: Violência contra a População Negra e Povos Indígenas”, o evento tinha como objetivo visibilizar as recomendações elaboradas por estas organizações para o 4º ciclo da RPU ao público em geral, tendo em vistas difundir o conhecimento sobre o que versam estas recomendações, indo mais além das reuniões fechadas com Embaixadas e Missões Permanentes. Ademais, o evento concretizou-se também como uma importante ferramenta de incidência política internacional, proporcionando a construção de redes e parcerias entre organizações brasileiras e internacionais. 

A delegação brasileira teve a oportunidade de levar as recomendações para a Embaixadora do Chile em Genebra, Claudia Fuentes Julio; reuniu-se também com as Embaixadas do Canadá, Austrália e Argentina; com a Missão Permanente da Costa Rica, da França, da Alemanha e da Colômbia; além do encontro com Gay McDougall, Relatora do Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial da ONU (CERD), que é um órgão responsável responsável pelo monitoramento da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. Diante do atual quadro de violações apresentadas, Gay MacDougall que também será a relatora do Brasil perante o CERD, revisão que acontecerá em novembro desse ano, comprometeu-se em cobrar do Estado brasileiro a aplicação dos compromissos que abrangem a questão racial no país. 

É importante destacar que a delegação também teve um amplo espaço de escuta e diálogo em reuniões com Especialistas de Órgãos e Tratados da ONU, Especialistas sobre os povos afrodescendentes e Especialistas do mecanismo sobre violência policial criado pela ONU em 2021. Além disto, a delegação brasileira foi recebida pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) que acolheu as informações para que o Estado brasileiro seja cobrado por ações efetivas para a garantia da segurança e do Bem Viver da população negra, indígena e LGBTI+. 

Incidência Internacional: os caminhos até Genebra

A tarefa de visibilizar as violações dos direitos humanos que estão em curso no país para os mecanismos internacionais que versam sobre o tema é um dos compromissos de Raça e Igualdade junto às organizações da sociedade civil do Brasil. Para isso, é necessário um trabalho de capacitação técnica e de apoio a essas instituições para que suas denúncias e demandas cheguem instrumentalizadas aos Especialistas e Relatores de cada órgão internacional; este trabalho chama-se advocacy e/ou incidência política. Nesse sentido, durante o evento de Raça e Igualdade em Genebra, o Diretor Executivo, Carlos Quesada, ressaltou mais uma vez a importância da construção diária das estratégias de advocacy no Brasil para “capacitar organizações de base para promover atores políticos através de uma metodologia de treinamento técnico para que essas organizações possam gerar mudanças estruturais sustentáveis”. 

Desse modo, para que a delegação brasileira fosse recebida com suas recomendações em Genebra, foi preciso antes promover um encontro em Brasília, com as Embaixadas dos países que vão revisar o Brasil no 4º ciclo da RPU e as demais Embaixadas presentes no Conselho de Direitos Humanos da RPU. As reuniões em Brasília aconteceram de 27 a 29 de julho, e estiveram presentes: Gilmara Cunha, Diretora Geral do Grupo Conexão G de Cidadania LGBT de Favelas (RJ); Marina Fonseca, antropóloga e Assessora Política na ONG Criola (RJ); Fabiana Pinto, sanitarista e Coordenadora de Incidência e Pesquisa no Instituto Marielle Franco (RJ); e Rodnei Jericó, advogado e Coordenador do SOS Racismo do Geledés (SP). Representando Raça e Igualdade, estiveram presentes: Leilane Reis, Oficial do Programa de Raça e Gênero e, Adriana Avelar, Oficial de Incidência no Brasil.

Os encontros em Brasília foram com as Missões Permanentes que avaliaram o Brasil nos períodos anteriores nos temas de interesse do grupo, e que se preocupam com o atual cenário de fragilidade do sistema democrático brasileiro: União Europeia, Estados Unidos, Noruega, Canadá, Alemanha, França, Suíça, Austrália, Argentina, Reino Unido, Colômbia e Chile.

As organizações buscaram visibilizar os vigentes marcos normativos que exacerbaram a situação de vulnerabilidade das populações negra, indígena e LGBTI+ no Brasil, desde a última revisão da RPU, levando em conta a precarização da vida devido aos efeitos da pandemia. Com base nas recomendações feitas pelas Embaixadas visitadas, discutiu-se os seguintes eixos temáticos: violência contra a população LGBTI+, violência policial contra a população negra, saúde da mulher negra, fechamento dos espaços cívicos e direitos dos povos indígenas. Desse modo, o intuito foi estabelecer um diálogo com recomendações para o próximo ciclo, para que apontem os marcadores sociais vigentes na sociedade brasileira e que sejam capazes de evidenciar a real situação de violação de direitos humanos no Brasil.

O trabalho de incidência política é construído ativamente em parceria com as organizações brasileiras e, para isso, é preciso estar conectado com as propostas políticas e legislativas do Governo brasileiro, para que se possa pleitear ações efetivas que garantam a construção e implementação dos tratados e acordos internacionais. O caminho de Brasília até as pré-sessões da RPU em Genebra tem por finalidade que as recomendações da delegação brasileira sejam acolhidas durante a revisão do Brasil na sessão da RPU que vai ocorrer no dia 14 de novembro, às 14h30 (Horário de Genebra), e às 9h30 (Horário de Brasília). 

Quais são os próximos passos? 

Desde já, é mister ressaltar que a RPU é um mecanismo da ONU em que os Estados-partes avaliam Estados-partes. Portanto, a incidência política para a RPU teve o papel da sociedade civil visibilizar o cenário das violações de direitos humanos no Brasil, para tentar influenciar que os Estados avaliadores acolham suas recomendações no processo de aferição. Como já mencionado anteriormente, o Brasil também entregou seu relatório, no qual afirmou ter consultado a sociedade civil sobre a situação dos direitos humanos no país. Com isso, é realizada uma análise baseada nos avanços, retrocessos e boas práticas a partir de todas as informações recebidas e, por último, o Estado avaliado deve aplicar as recomendações dos seus pares. 

Desta forma, caso as recomendações da delegação brasileira sejam acolhidas e fomentadas pelos Estados partes durante a RPU, a tarefa seguinte é apresentá-las para o novo Governo que tomará posse em 2023, para que este tome conhecimento do trabalho de incidência política das organizações da sociedade civil e, ratificá-las e implementá-las no plano quadrienal de políticas públicas do Estado brasileiro. Assim, a sociedade civil tem a responsabilidade de monitorar o cumprimento da agenda em combate à discriminação racial outorgada na Revisão Periódica Universal da ONU. Desse modo, Raça e Igualdade segue ao lado dessas organizações para monitorar e pressionar o Governo na aplicação do acordo internacional. 

Por fim, no intuito de colaborar com o mecanismo da Revisão Periódica Universal das Nações Unidas, as organizações brasileiras apoiadas por Raça e Igualdade propõem, entre outras, as seguintes recomendações direcionadas ao Estado Brasileiro: 

  1. garantir o acontecimento das investigações de crimes cometidos contra pessoas LGBTI em território de favela, possibilitando a coleta de dados públicos sobre tais crimes; 
  2. tomar medidas urgentes para coibir e erradicar a violência policial em qualquer fase de atuação das polícias civis, militares e das forças armadas no cumprimento de missões em solo brasileiro.
  3. Recriar conselhos participativos e grupos colegiados que permitam a participação e controle social indígena na formulação, acompanhamento, implementação e avaliação das políticas indígenas do Estado brasileiro nas áreas de gestão territorial, educação, saúde e cultura, concomitantemente com o estabelecimento de programas e medidas que previnam e punam o racismo, a discriminação e a violência contra os povos indígenas e promovam a igualdade étnica e racial, a autonomia e o direito dos povos à diferença.
  4. Conduzir a implementação do Plano Nacional de Proteção às Defensoras e Defensores de Direitos Humanos e institucionalização do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH) ampliando sua estrutura nos 26 estados do país e DF,  estabelecendo orçamento, normativas e estratégias específicas para a recepção e acompanhamento de casos de mulheres Defensoras de Direitos Humanos negras, trans e travestis, representantes de povos e comunidades tradicionais, bem como indicadores para monitoramento e mecanismos judiciais de responsabilização de seus principais agentes violadores, com destaque para o uso da brutalidade policial e de grupos militarizados empregados para supressão de direitos e liberdades de  expressão, de associação, de crença, reunião e participação política no espaço cívico brasileiro. 
  5. Assegurar o acesso aos serviços de saúde reprodutiva, garantindo inclusive a realização de abortos nas condições previstas na legislação vigente, sem entraves burocráticos e constrangimento às pessoas que gestam que buscam por atendimento, dando atenção especial para a situação das gestantes e parturientes negras, que sofrem com o impacto do racismo institucional na saúde materna.

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