Por que é tão difícil encontrar maquiagem para peles negras?

Mais da metade da população brasileira é negra e, mesmo assim, não há variedade suficiente de bases e corretivos voltados a esse público

Por MARINA MORI, do Gazeta do Povo

Cada vez mais, mulheres negras têm criado blogs para falar de moda, beleza e empoderamento, como é o caso da blogueira e maquiadora Luana Cooper, do Portal Tombay. Foto: Arquivo Pessoal

Pense na inúmera quantidade de tons de base e corretivo disponíveis no mercado. Há centenas de opções que variam do bege claríssimo ao bege escuro. Vale até fazer uma reflexão: em sua última visita a uma loja de cosméticos, você se lembra de ter visto alguma maquiagem para peles negras? Se sim, havia uma gama expressiva de tons escuros? É bem provável que a resposta seja não para as duas perguntas. Porque no Brasil quase não há produtos de beleza voltados às mulheres negras.

“É uma incógnita para mim o que faz o mercado brasileiro não oferecer produtos adequados para pessoas negras. Somos 54% da população. Isso não faz sentido”, desabafa a comunicadora e maquiadora carioca Luana Cooper. Em agosto deste ano, ela criou o portal Tombay, um site que reúne conhecimentos sobre técnicas de maquiagem para pele negra, representatividade e empoderamento.

Antes disso, Luana trabalhava em uma empresa que desenvolvia cosméticos femininos. A inquietação começou ali, quando viu que não havia uma variedade de tons para peles negras. Depois, veio o curso de maquiagem, quando o professor dedicou apenas uma aula voltada à beleza afro para ensinar como “embranquecer” o rosto.

Entre as técnicas, o jeito certo de afinar o nariz e outros modos de esconder os traços negros. “A ausência de pessoas negras na cadeia conceitual e criativa do mercado resulta em produtos inadequados e campanhas nada representativas”, reflete a maquiadora.

Como as brasileiras negras se maquiam?

“As mulheres negras dão um jeito. Elas misturam diversos produtos para chegar ao seu tom”, conta Luana. Em outros casos, juntam dinheiro para comprar produtos internacionais.

Mas a maioria delas não se maquia. E não é por falta de vaidade. “Elas deixam de se maquiar para não ficarem rosa demais ou cinza demais. É muito difícil com os produtos oferecidos no Brasil – falta tom, falta fundo de cor. As peles negras têm uma gama infinita de tonalidades”.

Lá fora, as coisas parecem estar caminhando mais rápido. Recentemente, a cantora Rihanna lançou a Fenty Beauty, sua marca de maquiagem que tem como mote “a nova geração da beleza”. Além de os produtos não serem testados em animais, há mais de 40 tons de base. Por enquanto, não há previsão de venda no Brasil.

Blogs e canais no YouTube: o caminho para a mudança

Nos últimos cinco anos, os cabelos crespos ganharam um destaque que há muito não existia, e a internet foi o meio responsável por essa revolução. O amor pela beleza negracomo ela é não veio pelas novelas, revistas e programas de televisão. Ele foi cultivado e incentivado, de pouco em pouco – mas com muita força –, por blogueiras e youtubers.

“Esse é um movimento que está com força e que veio para ficar”, diz a atriz apresentadora Pathy Dejesus. “Quantos programas existem em que há pessoas negras apresentando? Quantas pessoas negras estão nas revistas durante um ano, com uma capa por mês, e quantas brancas estão?”, questiona.

Para a apresentadora, que já esteve à frente do programa Superbonita, da GNT, a revolução e autonomia das mulheres negras começa a partir de cada uma delas. “Esse é o gatilho para que outros veículos, como revistas e marcas de beleza, passem a fazer isso também. Ter uma ou outra negra em uma capa de revista não faz acabar o preconceito. Isso faz as pessoas tolerarem e entenderem que aquilo é um espaço para negras sim. O que faz acabar com o racismo é informação.”

Pathy Dejesus: “as pessoas têm que ter mais compaixão, se colocar no lugar do outro”. Foto: Agência Aura / Divulgação

 “O padrão é o cabelo que está na sua cabeça”

“Desde pequena éramos ensinadas a alisar o cabelo. Quando eu tinha uns cinco, seis anos, minha mãe passava no meu cabelo um pente de ferro quente, que ela esquentava no fogão à lenha. Aquilo queimava a testa, o couro cabeludo, mas era comum”, lembra Michele Mara, 37, cantora e idealizadora da Marcha do Orgulho Crespo em Curitiba.

Pouco tempo depois, na década de 80, as mulheres negras de Curitiba tiveram acesso a uma nova técnica de alisamento: o salão do seu Luís. “Todas as negras da época já foram ou ouviram falar”, diz a cantora. O motivo de tanto sucesso? O cabeleireiro, que atendia em uma portinha na Alameda Princesa Isabel, inventara uma pasta de alisamento à base de formol, algo inédito naquele tempo.

Encantada com a novidade – qualquer coisa era lucro perto do pente de ferro quente –, a pequena Michele implorou à mãe para que pudesse testar. “Aquilo era muito agressivo para o cabelo. Fiquei careca com oito anos de idade”, revela.

Michele Mara: “o padrão é o cabelo que está na sua cabeça”. Foto: Reprodução Facebook

E assim foi ao longo de quase toda a sua vida, sempre buscando técnicas – do alisamento às tranças afro – para reprimir o black power. Michele decidiu encarar o próprio cabelo apenas em 2010, mas a mudança não foi nada fácil. “Fiquei trancada em casa por sete dias. Chorei muito porque me sentia feia, mas, quando enxerguei minha beleza, tudo mudou. Todas as conquistas que tive como artista vieram com o meu cabelo natural”, diz a cantora.

E não demorou muito. No ano seguinte, Michele venceria o concurso de “Melhor Imitador da América Latina”, do Domingão do Faustão, com o cover de Aretha Franklin. Porém, se por um lado a curitibana se reconciliou consigo mesma e com seu cabelo crespo, por outro teve que buscar forças para se defender do preconceito.

No ano passado, ao ser vítima de racismo em uma loja da cidade, Michele decidiu rebater as ofensas de um jeito que Curitiba nunca havia visto. Reuniu 500 pessoas negras no centro da capital paranaense para protestar contra o racismo – acontecia a primeira Marcha do Orgulho Crespo de Curitiba. No último sábado (18), ela liderou a segunda edição da passeata, que reuniu mais de 500 pessoas. “O racismo mata, causa doença e gera marcas profundas que duram a vida toda. Isso precisa mudar.”

***

Viver Bem indica: 5 canais no YouTube sobre representatividade e beleza negra

Nátaly Neri – @natalyneri

A youtuber estuda ciências sociais e usa as redes sociais para levantar questões sobre representatividade negra, vegetarianismo e feminismo. Em seu canal, ela também dá dicas de moda consciente e beleza.

Amanda Mendes – @todecrespa

Amanda é modelo, embaixadora das marcas de cosméticos Salon Line e Zanphy e embaixadora da Igualdade Social de Campinas, do projeto Elos que Empoderam. Em seu canal no YouTube, compartilha dicas e segredos sobre como cuidar do cabelo crespo.

Gabi Oliveira – @gabidepretas

A comunicóloga, que já palestrou no Latin America Education Forum (LAEF), da Universidade de Harvard, usa o seu canal no YouTube como um espaço para discutir assuntos que vão desde às relações étnico-raciais a estética da mulher negra. Foi vencedora do concurso Youtube Nextup e é a atual embaixadora Seda Brasil, além de estar na lista de mulheres inspiradoras do portal Think Olga.

Rayza Nicácio – @rayzanicacio

A blogueira e youtuber faz sucesso com conteúdo de moda, beleza e comportamento em geral. Em seu canal no YouTube, que conta com mais de um milhão de seguidores, ela também dá muitas dicas sobre como cuidar dos cabelos crespos.

Irlaine e Marcelly Tavares – @astavares

As youtubers são especialistas em maquiagens e também produzem vários tutoriais sobre como cuidar do cabelo e criar penteados diferentes.

Vraaaa! @lojakings lojakings

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