Por que os heróis nunca são negros visa mostrar que existe um racismo velado no Brasil e que a imagem dos negros nos livros ainda é inferiorizada perante o branco. Aumentar a auto-estima dos alunos afro-descendentes, despertar a turma para a diversidade da raça humana e promover o respeito pelas diversas etnias.
Tema: Preconceito racial
Como chegar lá
Faça um levantamento dos heróis e heroínas conhecidos pelo grupo. Provavelmente os de cor branca serão maioria. Em seguida apresente personagens negras de livros e filmes (como o desenho animado Kiriku e a Feiticeira, disponível em fita VHS) e pessoas notórias que sejam representadas de maneira positiva. Discuta os motivos dessa diferença, peça pesquisas em jornais e revistas que comprovem a discriminação
Dica
Não chegue com discurso pronto sobre o racismo. Deixe os alunos concluírem que o preconceito e a discriminação existem, sim, no Brasil e que precisam ser combatidos. Ao falar da cultura africana e dos rituais, prepare-se para enfrentar o preconceito religioso
O povo negro é discriminado em todos os cantos do planeta onde os brancos são maioria. E a sua sala de aula, professor, será território neutro? Por mais que você se preocupe em tratar todos da mesma maneira, os negros continuam sendo discriminados. Quer ver como? Pense nos livros que a turma lê. Eles mostram famílias negras de classe média, felizes e bem-sucedidas? Têm príncipes, reis e rainhas que não sejam brancos? Você não acha isso um problema? Então imagine o que significa ser despertado para o prazer da leitura sem ver sua raça representada de forma positiva nas páginas dos livros.
“Lendas, contos da carochinha e mitologias ajudam as crianças a construir sua identidade. Num processo de transferência, os pequenos se colocam no lugar dos heróis e vivenciam as sensações dos personagens”, explica Taicy de Ávila Figueiredo, pedagoga e professora de Educação Infantil em Brasília. Sentimento de inferioridade e auto-rejeição são as conseqüências mais comuns na auto-estima de quem não se reconhece nas histórias contadas na escola. “Todos querem ser aceitos por seu grupo, pela sociedade. Muitos alunos passam a se enxergar como brancos”, explica Ana Célia Silva, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Você deve estar se perguntando como fugir dessa questão, já que as histórias consagradas do mundo de faz-de-conta são européias. A sugestão é entrar no universo de lendas e histórias da África, do Oriente, dos índios… Veja como a professora Maria Cecília Pinto Silva, da Escola Municipal de Educação Fundamental General Esperidião Rosas, em São Paulo, conseguiu plantar uma semente contra o racismo em uma atividade interdisciplinar para as turmas da 4a série. O projeto ganhou o prêmio Educar para a Igualdade Racial, do Centro de Estudo das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert).
Experiência prática
Diagnóstico/Objetivos
Após presenciar diversas atitudes racistas, a professora elaborou um projeto para despertar o respeito às diferenças. Pediu à classe que desenhasse os heróis preferidos, já prevendo o resultado. A maioria citou personagens brancas. Ela aproveitou os dados e ensinou, nas aulas de Matemática, como elaborar gráficos. Veja o resultado: 94% de personagens brancas, 4% de orientais e 2% de negras.
Problematização
Maria Cecília apresentou o herói Kiriku, do filme Kiriku e a Feiticeira. O desenho animado se passa na África e todas as personagens são negras. A turma assistiu ao filme, reescreveu a história e a sinopse e fez resenhas. Em seguida a professora pediu um exercício de comparação com os contos de fadas tradicionais e o levantamento das características desse gênero literário. Para começar, lançou a pergunta: por que não vemos personagens negras em outras histórias? Os alunos conseguiram se lembrar de algumas, como o Negrinho do Pastoreio, o Zumbi e Tia Nastácia. Qual a diferença entre eles e Kiriku? “Ele é um herói, professora”, responderam. Bingo! A próxima atividade foi de leitura de livros cujas personagens principais são negras, como Luana, de Aroldo Macedo. Em seguida as crianças pesquisaram em jornais e revistas reportagens sobre racismo, enquanto Maria Cecília mostrava fotos e histórias de grandes ícones brasileiros negros, como o professor Milton Santos.
Desdobramentos
Em Ciências, foram estudadas diversas versões para a criação do mundo e a professora apresentou lendas africanas e indígenas. Nesse momento, um aluno muçulmano trouxe sua experiência e enriqueceu a discussão sobre pluralidade cultural (leia mais no quadro abaixo).
“Não quero desenhar nem ouvir falar em orixás”, reclamaram alguns evangélicos na aula de Ciências de Maria Cecília. O preconceito religioso é outro desafio a ser enfrentado na escola. Algumas crianças não queriam participar dessa etapa do projeto. Durante essa difícil tarefa, o aluno Kaled Abidu El Carim Abou Nassif, libanês e muçulmano, pediu espaço para contar a versão da religião de Maomé para a criação do mundo. Como a cultura islâmica está em evidência, os colegas estavam cheios de perguntas. Depois dos orixás, anjos e Alá, os alunos conheceram histórias de Tupã e tiveram contato com as lendas indígenas. “Estão vendo? Não somos e não precisamos ser todos iguais”, disse a professora, explicando que conhecer é muito diferente de convencer.