O que acontece quando um dos maiores portais de cultura masculina encontra o maior canal de cultura gay do Brasil?
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Sob essa premissa fui convidado pelo YouPix para participar da coluna “Encontros Inusitados”, na qual eles juntam duas pessoas improváveis para se fazerem três perguntas.
Meu par foi o Pedro HMC, uma das mentes por trás do Põe na Roda, o maior canal GLBT do YouTube. Se ainda não conhece eles, começa pelo vídeo “Não é por eu ser gay que…“.
Gostei da brincadeira e reproduzo aqui as três respostas que dei às suas perguntas.
Pedro: Através de trabalhos como o seu, acredito que o “homem heterossexual” venha se libertando cada vez mais de um estereótipo extremamente opressivo e limitante. Ao mesmo tempo, existe uma ala conservadora que parece se desesperar com isso, como aquele colunista da Veja, Rodrigo Constantino, que escreveu aquele artigo “Onde foram parar os machos?“, sabe?
Qual sua visão sobre esses “machos” que se sentem ameaçados tão facilmente? Por que isso?
Esses “machos” se sentem ameaçados por enfrentarem um mundo que está colocando em cheque as premissas de uma masculinidade datada, que se constrói na negação do feminino, da fraqueza, da passividade, das demonstrações de afeto e vulnerabilidade.
É um macho que se constrói no medo – mesmo sem se dar conta disso –, que acredita piamente que ser homem e viril é sinônimo, necessariamente, de uma identidade heterossexual.
Quando a masculinidade passa a ser mais amplamente entendida como algo independente da heterossexualidade e dos ideais de homem do passado, é meio como um terremoto mesmo. E, penso eu, muitos podem escolher reagir a esse turbilhão com violência, lutando pela manutenção de suas crenças ao invés de aproveitar a excelente oportunidade para reavaliar como têm vivido e ficarem felizes com o fato de que agora há muito mais espaço e liberdade para ser homem, seja como cada um de nós interpretar isso.
O que parece ameaça na verdade já beneficia todos nós, ao nos permitir exercer a masculinidade com mais liberdade. Assim como o movimento feminista beneficiou todas as mulheres, mesmo aquelas que não o entendem ou negam seu valor.
Acho que tem uma onda bonita de libertação masculina, pouco a pouco, ganhando força no horizonte. Ou pelo menos eu aposto nisso!
Pedro: Tem uma amiga que voltou de Londres dizendo que lá sempre achava que todos os homens eram gays. Eu penso que seja porque na Europa, eles se vestem bem. Enquanto no Brasil, só uma minoria dos caras se importam com estilo e estar bem arrumado, e não à toa que a gente infelizmente veja tanto hetero de nikeshox na balada, ou sem a barra da calça feita… Minha pergunta é: por que você acha que o homem hétero brasileiro, no geral, é tão desleixado?
Acho que, em grande medida, por medo. Muitos homens héteros tupiniquins são aqueles machões patriarcais latinos, que correm de tudo aquilo que possa ser entendido como gay ou feminino.
Pra esses homens aceitarem fazer algo visto como feminino, isso precisa ser embalado culturalmente com signos que dêem ok pro cara se apropriar da coisa.
Por exemplo, ele vê editoriais de moda na VIP, mas antes vê a bunda de uma gostosa num pôster de duas páginas pra deixar claro que é revista “pra hetero”.
Ele compra um hidratante da Natura, que tem na embalagem o nome “hidraTURBO”, pra deixar claro que não é creme pra quem gosta de bobagem, é um creme pra quem quer ser eficiente e não tem tempo a perder, como um bom macho heterossexual que leva uma vida reprimindo desejos e direcionado sua energia a objetivos claros e conquistas sucessivas.
Aprofundando um pouco, esse é um artigo que publicamos sobre e foi bem emblemático: “Dá pra se vestir bem e continuar hetero?“. E temos mantido também a coluna “Minha Roupa Diz“, com o Bruno Passos.
Ele tem uma voz que consegue acessar muitos homens que já queriam se vestir bem, conversar sobre estilo e tinham medo de admitir isso.
Pedro: Por você ser editor de um site que discute temas como beleza masculina, estilo, provavelmente já te tacharam de gay, né? Já sofreu algum preconceito “por ser hétero” rs e como lida com isso?
Já fui e fomos tachado de tudo quanto é jeito. Tem que dar risada dessas! É muito maluco como escutar gay automaticamente parece ser uma ofensa para um homem hétero, não?
Todos os grandes estudiosos da sexualidade humana (Kinsey, Klein, Masters & Johnson, por aí vai…) já nos mostraram que a maioria de nós não é absolutamente hétero ou homo, mas sim estamos em algum ponto intermediário de uma escala e somos perfeitamente capazes de sentir atração e afeto, em diferentes medidas, pelo mesmo sexo.
Apenas calha que construímos nossas identidades de um jeito que tende a tornar isso binário – reprimindo e/ou sublimando sentimentos indesejáveis socialmente.
Homens hétero tendem a expressar seu afeto com outros homens de modo bem limitado, tem que ser abraço com tapa, murro, tirar do chão… o afeto tem que vir com agressividade pra deixar claro que não é “fresco”. De novo, vem aquela história da masculinidade construída em cima do medo, sendo que não precisaria ser assim.
Por tudo isso acho que ser chamado de gay não ressoa aqui como ofensa, nem de longe. É muito mais uma grande (e triste) confusão coletiva.