A última vez em que discuti o assunto das cotas raciais foi há pouco mais de um mês. Almoçava com outros 10 jovens brasileiros que, como eu, estão na Itália fazendo um intercâmbio universitário de graduação. Quase todos, também como eu, vindos de universidades públicas. Porém, ao contrário de mim, todos brancos.
Assustei-me ao perceber que minha posição favorável às cotas raciais era minoritária naquele grupo – somente eu e um outro colega éramos a favor da política.
Os outros, por sua vez,afirmavam que o único problema do acesso à educação em nosso país seria a desigualdade econômica, não o racismo, e que as políticas de inclusão social seriam suficientes para sanar a questão. Afirmavam que qualquer iniciativa voltada à inclusão racial acabaria por criar um “racismo ao contrário”, “favorecendo” os estudantes negros em detrimento dos estudantes brancos que também tenham passado por escolas públicas.
Eu tentei explicar meu ponto de vista de inúmeras formas. A contradição, para mim, era clara, e se refletia mesmo ali, na mesa em que almoçávamos: dentre 11 intercambistas brasileiros, apenas 1 era negro (no caso, eu).
Nenhuma das minhas argumentações surtiu efeito, mas fiquei feliz de, ao menos, ter colocado o assunto em discussão.
Poucos dias após aquele almoço, mais especificamente há três semanas, a Folha de São Paulo publicou uma matéria na qual informa dados estarrecedores acerca da presença de negros nos cursos de graduação daquela que é considerada a melhor universidade do Brasil: a USP.
Os dados são os seguintes: num universo de 774 alunos matriculados nos dez cursos mais concorridos, apenas 4 são negros. Ou seja, 0,5% dos alunos, num país em que negros e pardos representam 50,7% da população, segundo os dados oficiais.
Como esclarecido pelo jornal:
“A USP hoje dá bônus no vestibular para estudantes de escolas públicas, mas não existe um benefício específico para pretos, pardos ou indígenas. Uma ampliação da política está em estudo”.
Tais números demonstram empiricamente o que tentei, sem sucesso, explicar aos meus colegas de intercâmbio: as políticas de inclusão de alunos egressos de escolas públicas não são suficientes para que as minorias étnicas superem as dificuldades que lhes obstaculizam o acesso ao ensino superior.
O que sempre tento explicar a quem me pergunta por que sou a favor das cotas raciais é que os negros vindos de escola pública estão em posição ainda mais prejudicada que os brancos que estudaram na mesmíssima escola. E isso por uma questão muito complexa de desvantagem histórico-social, que tem suas origens lá na escravidão (ainda muito recente no nosso país), num processo de estigmatização social fortíssimo (ande numa rua deserta à noite e dê de cara com um branco ou com um negro; não, sua reação não é a mesma, nem a minha), em toda uma construção arquetípica (na TV, toda uma geração cresceu vendo na novela que o negro ou era escravo, ou empregado, ou no mínimo pobre – e deviam ter uns 5 atores que se revezavam nesses papeis) e em posições sociais pré-definidas (quantos médicos, advogados e engenheiros negros você conhece?).
Tudo isso tem uma repercussão inimaginável na auto-imagem, na auto-estima e na visão de mundo dos negros em geral, com reflexo em todos os aspectos de suas vidas.
Eu tive a sorte de nascer numa família de classe-média e de ter pais bem instruídos, que me proporcionaram a melhor educação possível e um aporte psicológico muito forte para lidar com todas essas questões.
Não, eu não me sinto inferior a nenhum branco.
Mas sei que sou a exceção da exceção da exceção.
O que foi apurado pela Folha de São Paulo demonstra como tudo isso que eu acabei de expor não é “viagem” ou “exagero” da minha parte: QUATRO negros, num universo de SETECENTOS E SETENTA E QUATRO matriculados nos dez cursos mais concorridos. Contra fatos não há argumentos: as cotas raciais são, sim, necessárias.
Harvard – Cotas e justiça racial: de que lado você está? Por Luís Roberto Barroso
CCJ do Senado aprova indicação de Luís Roberto Barroso para STF
Cotas para negros
Fonte: Médium