Pornografia de vingança

No fim da tarde de sexta-feira [19/6], o vice-presidente responsável por tecnologia de busca do Google, Amit Singhal, publicou em um dos blogs públicos da empresa uma mensagem singela de quatro parágrafos curtos. Fará uma diferença gigantesca na vida de muita gente. O foco é a pornografia de vingança. A publicação de fotografias ou vídeos de pessoas nuas ou no ato sexual feita por ex-parceiros com a intenção de humilhar. Haverá, no site de busca, um formulário para que vítimas possam pedir a retirada daquelas imagens do índice. Para o Google, a partir daí, é como se jamais tivessem existido.

Por Pedro Doria, do Observatório da Imprensa 

Não é a solução perfeita. Os arquivos continuarão a existir nos lugares em que foram publicados. Em geral, as vítimas deste tipo particularmente doloroso de revanche são mulheres. Não raro, jovens. No ano passado, pelo menos duas adolescentes brasileiras cometeram suicídio por não conseguirem lidar com aquilo que, lhes parecia, era uma vergonha pública acachapante. (Não deveria ser.)

Em tempos de redes sociais, a pornografia de vingança não costuma ser distribuída inicialmente por sites. O primeiro veículo são canais como WhatsApp ou Snapchat, aplicativos que têm como público-alvo justamente aquele de maior dano: os colegas de escola ou faculdade, companheiros de trabalho, família, amigos. Gente conhecida. A política do Google não resolve esta pancada inicial.

Não é a solução perfeita mas faz muita diferença. Porque, passado o trauma inicial, a pornografia de vingança tem uma sobrevida cruel. Ela não vai embora. Fica na rede de forma permanente, sempre a uma busca de distância. Basta digitar o nome da pessoa e a exposição não vai embora. Agora, pelo menos no que depender do principal mecanismo indexador da internet mundial, para isso já há solução.

A política do Google foi bem pensada. O critério para remoção é o do consentimento de publicação de quem está na imagem. O Reino Unido, que tem hoje uma das raras leis criminais que incluem o ato, pune apenas quem teve a intenção de dano. No Brasil, a Lei Carolina Dieckmann só pune quando o computador com as imagens foi invadido por terceiros. Não se o próprio autor for aquele que as divulgou. O problema prático de quem foi machucado ou humilhado continua lá.

A política atinge, também, outro ponto: o chamado Efeito Streisand. Em 2003, a atriz e cantora Barbra Streisand processou o site Pictopia por conta de sua coleção de 12 mil imagens da costa da Califórnia. Lá no meio estava uma em que sua imensa casa aparecia. Além de ter perdido o processo, a atriz chamou a atenção para o registro, ampliando em muito seu alcance. Se, no caso dela, havia exagero obsessivo, o efeito que ganhou seu nome é particularmente real para as vítimas de revanche. Ao lutar pela retirada das imagens, o resultado inclemente costuma ser ampliar o alcance. Agora, no mínimo, o processo se torna discreto.

Mas chama atenção. Já há muitos anos, o Google argumenta que não produz informação, apenas indexa. Não é, como costuma dizer, “mídia”. Só que é. Nenhum índice é puro. Mesmo que organizado por um algorítimo, por um software, ele se baseia em critérios de escolha. Portanto, de edição. Não é a primeira vez que o Google abre exceções. Tente procurar um arquivo pirata: é quase impossível. São manualmente expurgados. Edição não é ruim. Edição, na verdade, é um ato de responsabilidade.

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Pedro Doria, do Globo

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