Preconceito de gênero também se manifesta por meio de gesto e piadas

A cada esquina, um olhar de repreensão seguido de comentários maldosos e até ameaças de agressão. Mesmo assim, o jornalista e artista Gabriel Peixoto, de 21 anos, segue pelas ruas de Belo Horizonte “pleno”, como gosta de dizer. A saia cor-de-rosa e a blusa curta verde, usadas por ele numa tarde quente, serviram de senha para homofóbicos de plantão destilarem o mesmo ódio que já matou 282 lésbicas, gays, bissexuais e transexuais (LGBTs) no país, sendo 31 em Minas, apenas neste ano.

Gabriel Peixoto não mais se intimida com olhares e piadas que sofre ao andar com roupas consideradas femininas; hoje, a postura dele é a de enfrentar o preconceito

Por Tatiana Lagôa Do Hoje em Dia

Os números levantados pelo Grupo Gay da Bahia (GGB) mostram o extremo da violência. Existem, porém, outros tipos de agressões que não entram nas estatísticas. “O preconceito contra a comunidade LGBT se revela por gestos, palavras, piadas, violências físicas, até chegar ao extremo dos assassinatos. Tudo isso é replicado nas ruas, igrejas, escolas e famílias”, conta o presidente da entidade, Marcelo Cerqueira.

A realidade descrita foi confirmada pela reportagem. A pedido do Hoje em Dia, Gabriel percorreu por algumas horas a região central de BH. No caminho, um festival de expressões. “Meu Deus do céu!”, “Senhor!”, “Jesus!”, “Credo!”, diziam alguns enquanto “quebravam” o pescoço para analisar as costas do jovem.

Expressões 

“Quer aparecer”, murmurou um idoso incrédulo na possibilidade de meninos se vestirem com roupas convencionalmente usadas por meninas. Os mais discretos se satisfaziam com viradas de olhos ou risadas igualmente ofensivas. “Não faço nada para aparecer. Tem dia que me visto de camisa polo e calça. Em outros, coloco vestido, meia arrastão ou o que me der vontade. Só para me sentir bem. A roupa não é o que me define”, avisa Gabriel.

Não é o que pensou um homem, de uns 50 anos. Ao notar o rapaz usando saia, o senhor logo disse para quem quisesse ouvir: “vontade de dar uma surra!”. Indagado o motivo, sentenciou: “esse não é o caminho natural das coisas”, e saiu andando enquanto carregava uma mala e o preconceito.

Uma vendedora de loja também não conseguiu esconder a discordância quanto ao estilo de roupa do jornalista. Quando questionada sobre saias do tamanho dele, ela respondeu de imediato: “Não!”. Após uma certa insistência, mostrou pelo menos dez modelos no número pedido.

Reação

Acostumado com a situação, Gabriel Peixoto não cede às provocações e segue com a coluna ereta e o nariz “empinado”. “Depois de muito me abater, decidi enfrentar. Tento oprimir o opressor, porque mesmo de cabeça baixa ou vestido como homenzinho eu vou apanhar. Ou pior, receber esses olhares de nojo que me amedrontam muito mais”, desabafa.

Foi assim no início deste ano, quando três meninos o agrediram com chutes e xingamentos de “viadinho”. Em outro episódio, um homem ameaçou dar pauladas em Gabriel para que “virasse homem”. Em todas essas situações, o rapaz estava de calça. A diferença é que na segunda situação ele estava beijando um garoto.

As reações são então contra a homossexualidade e não à vestimenta. “Cada risinho ou piada mascara a questão central, que é a não aceitação das diferentes formas de sexualidade. As pessoas consideram os LGBTs como segunda categoria. Não dá para saber onde isso começou, só que existe”, diz Marcelo Cerqueira, do GGB.

Explicações

Para especialistas, o preconceito pode ser explicado de diversas formas: pela cultura, religião ou até mesmo por uma homossexualidade reprimida que aflora em forma de aversão a gays. Segundo Luiz Morando, professor do UniBH, que se dedica ao estudo das memórias da identidade LGBT na capital, a sensação de impunidade também impacta. “Não temos um regulamento jurídico prevendo penas para homofobia. Os países que criminalizam atitudes de ódio contra essa comunidade conseguiram reduzir o preconceito”, afirma.

O delegado Murillo Ribeiro de Lima explica que, apesar de preconceito não ser crime, algumas ações que o acompanham são. Comentários homofóbicos podem ser enquadrados como delitos contra a honra, que são difamação e injúria. No primeiro, a pena é prisão de três meses a um ano e no segundo, de um mês a seis meses. Já nos casos em que houver ameaça, a penalidade é de um a seis meses. “São poucos os que buscam a delegacia para denunciar esses casos. Isso é um erro, porque precisamos mapear esse tipo de violência para punir os culpados”

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