Pressão alta

Por: DRAUZIO VARELLA

 

 

 

Pressão Alta é um matador silencioso, aprendi na faculdade. Nos anos 1960, essa ideia era nova, revolucionária até, porque, 20 anos antes, os médicos imaginavam que abaixar a pressão arterial dos mais velhos prejudicaria a oxigenação dos tecidos.

 

Os primeiros medicamentos hipotensores surgiram nos anos 1950. De lá para cá, a indústria farmacêutica desenvolveu drogas com mecanismos de ação variados que permitem controlar a pressão na maioria das situações clínicas, com poucos efeitos colaterais.

Tais avanços transformaram o tratamento da hipertensão num dos maiores sucessos da medicina do século 20. Na prática, porém, o impacto desses conhecimentos tem sido discreto: tratar hipertensos é tarefa das mais frustrantes.

Não que lhes falte informação: mais de 80% dos brasileiros adultos medem a pressão com certa regularidade. Todos os que a apresentam em níveis elevados têm consciência de que precisam reduzi-la, mas entre reconhecer a necessidade e tomar as medidas para fazê-lo existe um abismo.

Hipertensão é doença democrática, ataca mulheres, homens e crianças. No Brasil, acomete 30% da população adulta e 5% das crianças e adolescentes. Aos 50 anos, metade das mulheres e dos homens é hipertensa; aos 70 anos, pelo menos dois em cada três.

 

É enfermidade tão corriqueira que você pergunta ao amigo como vai a mãe, ele responde que está ótima, apenas está com a pressão um pouco alta.

 

É evidente que a progenitora do referido amigo não pode estar ótima, padecendo de um agravo responsável por 80% dos derrames cerebrais, quase metade dos ataques cardíacos e um quarto dos casos de insuficiência renal grave.

Manter níveis de pressão abaixo de 14 por 9 -os valores máximos aceitáveis-, é privilégio de apenas 10% dos hipertensos brasileiros. Os outros 90% não tomam os remédios prescritos, fazem-no irregularmente, nunca mais voltam ao médico ou vivem como avestruzes.

Nós, médicos, temos uma parcela de culpa. Um estudo mostrou que a pressão é medida em apenas 29% das consultas no país. Além desse descaso, falhamos ao explicar com clareza a gravidade do problema, ao não ressaltar a necessidade imperiosa de praticar atividade física, perder peso e diminuir o sal da dieta e ao não deixar claro que o controle da hipertensão é um objetivo a ser perseguido a qualquer preço, pelo resto da vida.

Os medicamentos também são responsáveis por parte das dificuldades, porque alguns são caros, causam efeitos colaterais e não são capazes de curar a doença, apenas conseguem controlá-la desde que tomados diariamente.

A própria doença não ajuda. Se hipertensão doesse, provocasse desmaios ou queda de cabelo todos fariam tratamento. Mas, ao contrário do que a falta de sabedoria popular ensina, o mal é absolutamente silencioso: só dá dor de cabeça, tontura e faz enxergar pontos brilhantes quando a máxima chega perto de 20 e ameaça a integridade da vida. Canso de encontrar pacientes com 18 por 12, que se surpreendem: “Nossa, mas não estou sentindo nada”.

A responsabilidade maior, no entanto, é a dos próprios hipertensos, que param de tomar os remédios, exageram no sal, bebem mais do que deviam, fumam, fogem do desafio de perder peso como o diabo da cruz e, ainda por cima, insistem em passar o dia da cadeira para a poltrona.
Quando lhes perguntamos por quê razão não se cuidam, desfiam um rosário de lamentações: é ruim tomar remédio, falta tempo para a atividade física, engordam só de olhar para a comida, trabalham demais, comer com pouco sal é insípido, sem fumar e beber à vontade a vida não tem graça.

A hipertensão tem causas genéticas. Se um dos pais sofre da doença, seu risco de desenvolvê-la é de 25%. A probabilidade sobe para 60% no caso de mãe e pai hipertensos.

Amaldiçoar a herança dos genes resolve seu problema?
Leitor, se você sofre de hipertensão ou está perto de desenvolvê-la por causa da genética ou do estilo de vida, de nada adiantará a autocomiseração. É preciso perder peso, reduzir o sal da dieta, fazer exercício e, quando necessário, tomar remédios todos os dias para manter a pressão o mais próximo possível de 12 por 8.

Não confie na sorte, aja com racionalidade. A natureza é injusta e impiedosa, não leva em conta as virtudes nem os defeitos da pessoa.

 

 

Fonte: Folha de S.Paulo

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