Prestes a se formar em Direito, soldador lamenta morte de filho fuzilado por PMs: ‘Não vai nem me ver de beca’

Quando o soldador Jorge Roberto Lima da Penha iniciou a faculdade de Direito, em 2002, seu filho caçula, também Roberto, tinha pouco mais de 3 anos. Aos trancos e barrancos, em virtude do trabalho e da necessidade imediata de dinheiro, Jorge levou pouco mais de uma década para concluir o curso numa instituição particular, com bolsa integral. Agora, aos 50 anos, com monografia recém-entregue, o quase bacharel em Direito não terá o mais novo dos dois filhos — o único com quem ainda morava — na formatura, a ser realizada em breve.

Do Extra

— Ele era quase um bebê, e não vai poder nem me ver de beca. Não é por mim, em si, porque tudo que sempre fiz foi pelos meus filhos. Mas o Roberto já dizia pra todo mundo que o pai dele era advogado, tinha orgulho disso. Dá uma tristeza muito grande — desabafa Jorge, acrescentando: — Roubaram o meu garoto de mim.

Roberto, de 16 anos, era um dos cinco ocupantes do carro fuzilado por PMs do 41º BPM (Irajá) na noite de sábado, no Complexo da Pedreira, na Zona Norte do Rio. Com ele, estavam os vizinhos e amigos Carlos Eduardo da Silva de Souza, também de 16; Cleiton Corrêa de Souza, de 18, Wilton Esteves Domingos Júnior, de 20; e Wesley Castro Rodrigues, de 25. O grupo comemorava o primeiro salário recebido por Roberto, que iniciara um trabalho como “jovem aprendiz” — bem como um curso técnico de assistente administrativo — um mês antes. Com parte dos R$ 400, o adolescente prometera ir com o pai a uma “churrascaria chique” na Zona Sul da cidade.

— Quando eu falei isso, ele até brincou, disse um “poxa, pai, tem que ser lá?”. Mas depois fez questão de me avisar: “Pode deixar, que agora eu ando sozinho” — lembra Jorge.

Graças ao aprendizado obtido durante o curso de Direito, o soldador evitou que os policiais alterassem a cena do crime. Quatro PMs estão presos pelos homicídios e respondem também pelo crime de fraude processual, pois teriam tentado plantar uma arma dentro do veículo metralhado.

— Cheguei dez minutos depois e vi os policias querendo abrir a mala do carro, mexendo em tudo. Mas disse de imediato para saírem de perto — afirma Jorge.

201511301020122794

Promessa de processo

As famílias das vítimas prometem processar o Estado. A Defensoria Pública anunciou, ontem, que está acompanhando os casos de Wesley Castro Rodrigues e Wilton Domingos Júnior. Já os pais de Carlos Eduardo Souza e Roberto devem ser assistidos gratuitamente pelo advogado João Tancredo, após contato intermediado pela ONG Rio de Paz.

— Nossos filhos não vão voltar. Já era. Só queremos uma reparação justa. Eles foram mortos por funcionários do Estado, por profissionais concursados. Nem o carro do Matemático (traficante morto em 2012, alvejado por um helicóptero da polícia) levou tanto tiro quanto nossos meninos — criticou Jorge, pai de Roberto.

201512011226554086

Na manhã desta segunda-feira, as famílias das vítimas reuniram-se na Associação de Moradores do Morro da Lagartixa, próximo ao local onde o carro foi fuzilado. O encontro teve o objetivo de traçar um plano para cobrar assistência do governo do estado.

— A gente fez uma vaquinha para pagar o enterro, que custou R$ 3.200. Ninguém veio falar comigo ou com outro parente — disse Márcia Ferreira Domingos, de 38 anos, mãe de Wilton.

À tarde, a Secretaria estadual de Assistência Social e Direitos Humanos informou que todas as despesas serão ressarcidas. O órgão também comunicou que irá fornecer apoio psicossocial às famílias.

+ sobre o tema

Nem todo lugar é lugar de preto

por Bianca Santana Na última terça, 15 de julho, a jornalista Lília...

Seppir e Ministério do Esporte preparam campanha antirracista para a Copa do Mundo

por Isabela Vieira Preocupada com as cenas de racismo...

Quem é Marco, o estagiário demitido pelo presidente do STJ

Alvo de momento de fúria do presidente do...

para lembrar

Por que Jesus ser negro incomoda tanto?

Há dois anos, a Disney anunciou que a jovem atriz Halle...

Hilton Coelho exige que ACM neto se posicione sobre racismo institucional

O vereador Hilton Coelho (PSOL) quer um posicionamento definitivo...

Os justiceiros do Flamengo e a jovem negra que protegeu um neonazi de ser espancado pela turba

por Marcos Sacramento A atitude de uma adolescente negra nos anos...
spot_imgspot_img

Denúncia de tentativa de agressão por homem negro resulta em violência policial

Um vídeo que circula nas redes sociais nesta quinta-feira (25) flagrou o momento em que um policial militar espirra um jato de spray de...

Relatório da Anistia Internacional mostra violência policial no mundo

Violência policial, dificuldade da população em acessar direitos básicos, demora na demarcação de terras indígenas e na titulação de territórios quilombolas são alguns dos...

Aos 45 anos, ‘Cadernos Negros’ ainda é leitura obrigatória em meio à luta literária

Acabo de ler "Cadernos Negros: Poemas Afro-Brasileiros", volume 45, edição do coletivo Quilombhoje Literatura, publicação organizada com afinco pelos escritores Esmeralda Ribeiro e Márcio Barbosa. O número 45...
-+=