“Prezado ex-namorado, preciso lhe contar umas coisas”, por Mari Ene

Muitos disseram que essa hora chegaria, este momento que eu conseguiria agradecer de coração por tudo o que a gente passou sem a raiva ou recalque por termos terminado. Desacreditei, em grande parte por não entender o conceito de apego. O tempo, ah, este que antes considerava inimigo, ansiosa que sou, vem se tornando meu camarada, com uma paciência que é só dele e me ensinando muito sobre tanto, e pontua que sim, é fator fundamental para movimentar sensações.
Por MARI ENE*-
Então hoje sento e agradeço por tudo o que vivemos, e não é porque foi lindo – é porque é lindo, no presente.
Agradeço por todas as vezes que você me fez sentir tão pequena e impotente perante minhas vida e decisões, por ter caprichado tanto na escolha das palavras agressivas que hoje, no meu presente, está muito mais simples identificar o que quero e desejo de outra pessoa quando me sinto frágil – ou quando estou forte, o que também pode ser uma afronta pro outro, dependendo do momento que ele está. Mas, especialmente, por ter sido fundamental para que eu abrisse os olhos e enxergasse minha força e criatividade pra vida, pros meus grilos, pras minhas sensações.
Agradeço também por você ter insistido no conceito machista de que a mulher tem que estar sempre linda e disposta para o homem. Adequei este discurso insalubre para a rotina, parei de fumar e tenho me exercitado. Estou com um popozinho lindo de fazer inveja.
Obrigada também por ter me deixado com tanta raiva à despeito da forma como me culpava por todos os males do mundo: esta raiva foi fundamental pra alimentar minha energia criativa e trazer à tona meu sonho de propagar o bem-estar por meio da natureza, uma coisa tão simples e sofisticada que só pessoas como eu são capazes de produzir.
O outro obrigada é por ter me chamado inúmeras vezes de louca, de burra e de puta – hoje entendo que quando estes apontamentos partem de uma pessoa que não consegue olhar pro seu próprio umbigo e prefere usar palavras de julgamento contra o “parceiro”, hum, entendo que isso é mesquinho e pequeno, duas características que eu definitivamente não quero pra um relacionamento amoroso, visto que amo o amor e, honestamente, acho que ele está aí pra ser amado.
Agradeço de coração, de corpo e alma por você ter reforçado em mim o processo de validação do meu eu, este que não acha que é cobrança esperar uma ou duas palavras de carinho quando conta como foi o dia, a semana; este que acha que contato físico é necessário para o entendimento energético entre um casal, e que não é só o sexo, mas também o sexo, é claro, o responsável por intensificar esta troca.
Isso, esta pessoa colorida que chama atenção seja por demonstrar tão claramente como é e o que sente, seja por ser uma afronta para quem acha que tem tudo perfeito na vida, mas não tem essa alegria de alma que brilha que tenho mesmo quando a situação está preta (esta é a hora que você fecha os olhos e pensa “puts, é verdade… mesmo quando está na merda, a pessoa tem amor pra dar”). Não acho que sou a última bolacha do pacote, veja bem, mas sei que sou uma com muito recheio, caprichada :)
Sim, tem o temperamento, este que é como ajustar sal na comida: numa receita dá certo, noutra dá errado, mas importa mesmo não parar de cozinhar. Ainda duvido da sua capacidade de entender metáforas, então explico: reconheço minhas falhas, meus esquisitismos e só fico tranquila porque ninguém mais do que eu mesma pode saber da minha caminhada, que é de de ascensão.
É gratificante saber que mesmo que eu dê cinco passos pra trás, meu compromisso é com o crescimento, com a evolução, e que o descanso faz parte do desfrutar quem sou em essência. Então não, meu temperamento não foi o motivo pra todos os teus maus-tratos. Estes vieram da sua alma, visto que cada um só dá o que tem pra dar.
E agora?
Perdeu, playboy. E obrigada – por tudo.

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