Professoras negras e o adeus a uma de suas combatentes antirracistas

Professora Diva Guimarães nos deixou.

Desde que a conheci, a partir de sua aparição magistral na Flip, uma reflexão me persegue: quanto silenciamento há na docência de uma mulher negra?

A fala- desabafo que viralizou denunciava o racismo sofrido pela professora ao longo de sua trajetória profissional em Curitiba ( captaram?). Quando assumiu o protagonismo naquele espaço, pegou o microfone e falou como quem, ao arrancar uma mordaça, libertasse uma voz que não era apenas dela.

Obrigada, professora Diva Guimarães. Ao libertar sua voz, libertou a voz de todas nós, professoras negras desse país. 

Só nós sabemos dos olhares e incômodos que provocamos só por existirmos e ocuparmos esse (não) lugar. A colonialidade quer que caibamos nos lugares subalternos que nos relegou.

 Só quem está na pele de professora negra sabe como é ser apontada como a que “só quer ser”, como se isso  não fosse um direito basilar. Na verdade, revela o desejo de querer nos manter na mesma condição que nossas ancestrais: amordaçadas.

Ao rompermos o véu do silenciamento nos anunciamos como sujeitas do conhecimento e não como corpos sem mente, como queriam.

Nos queriam na cozinha, servindo, limpando, nunca como intelectuais e educadoras.

Estudar nos torna uma ameaça. A docência implicada com a pauta racial nos torna alvos preferenciais de violências simbólicas e concretas no ambiente escolar, onde passamos mais tempo do que em nossa casa.

Saiba que a senhora fez muito por todas nós, professoras negras desse país que nos odeia suspeitando da nossa intelectualidade o tempo inteiro.

Descanse, querida. A luta contra o racismo é árdua, exaustiva e, por vezes, solitária. Prova disso, é que, apenas aos quase 80 anos sua voz foi ouvida, sua face tornou-se conhecida e algumas oportunidades chegaram. 

Prometo que seguirei incomodando com minha inteligência- sem falsa modéstia-, minha fluência oral e escrita, meu investimento intelectual na Educação para as Relações Étnico-Raciais, o desejo de promover revoluções dentro da sala de aula, como a senhora o fez, além de fé para, como na composição da Iza, enfrentar aqueles…

Professora Diva Guimarães, presente!


Joselice Souza – Mulher preta, professora de História da educação básica pela SEC-BA, mestra em Educação, pesquisadora de Raça, Gênero e interseccionalidade, militante antirracista


** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE. 

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