Mostra de Tiradentes: Onde deságua cinema, cachaça e cachoeira.

Todo ano é assim: aquela ansiedade gostosa de chegar na sede da Universo para embarcar na van e botar o pé na estrada. A sede da produtora, localizada na rua Pirapetinga, 567, no alto da Serra em Beagá, é um casarão arrojado que é a um só tempo o coração administrativo da Universo Produções e um acervo impressionante de catálogos e outras publicações de uma iniciativa que é testemunha ativa de quase três décadas de cinema nacional.

Nessa encruzilhada da capital mineira, o país se reencontra em clima de união e reconstrução. Figuras que fazem e vivem cinema se abraçam e colocam as fofocas em dia. Bastidores e set de cinema sempre são dignos de nota. A gente se atualiza, com apreensão, sobre o cenário político do audiovisual mineiro. Afinal de contas, nosso governador lembra bem uma biruta de aeroporto.

Pé na estrada. O horizonte continua belo, apesar das montanhas em carne viva, açoitadas pela mineração. Sina de quem nasce em Minas é temer a morte das montanhas. Mas a resistência também é cerrado que não foi interrompido pela mineração e desertos de eucaliptos e milho. E assim a paisagem tem cheiro de mata, fogão a lenha e seres atropelados. Fé na caminhada, como diz Leonardo Boff. 

Quando se avista as cachoeiras de Santa Cruz no trechinho de Estrada Real, sabemos que estamos aos pés de Tiradentes, cujos casarões históricos estão à sombra de lajedos de rochas que em tempos imemoriais foram refúgios quilombolas. 

Uma turista desce uma ladeira de pedra bem animada, comentando da visita a um alambique e conclui: isso aqui tá bão demais sá! Tem cortejo, cachaça e até cinema. “Que cinema é esse?” Essa é a temática que rege a 28a. Edição da Mostra de Cinema de Tiradentes que teve sua abertura no dia 24 de janeiro de 2025, sexta-feira quente, numa festa que começou ao som de Eda Costa, Rodrigo Negão e nosso griot Sérgio Pererê. 

Quem é habitué da Mostra, conhece bem a importância das irmãs Raquel e Fernanda Hallak, na regência do festival. Raquel  defende muito singularmente a importância de um cinema sem fronteiras. 

Por sua vez, Célia Xacriabá nos convocou para reflorestar o cinema. 

A homenageada dessa edição, Bruna Linzmeyer foi escolhida como uma face de uma geração de cinema que brota no recôndito de um Brasil de muitos palcos e telas. Uma provocação que pode ser tão experimental quanto mainstream

Tiradentes têm disso: a aposta num cinema de tenda e de praça porque entende de demanda. Prova disso é a plateia fazendo fila de povoar quarteirão, honrando a fama de quem não desiste nunca. 

Há quem critique considerações celebratórias. Bem… respeito muito nossas lágrimas, mas muito mais nossas risadas. Difícil não se inebriar com  a Mostra de Tiradentes abrindo o calendário do cinema nacional. 


Viviane Pistache é preta, mineira, pesquisadora, roteirista, curadora e de vez em quando, crítica de cinema.

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