No dia 15 de outubro comemoramos o Dia do Professor. Entendo quem diz que não precisamos de uma data especial para homenagear alguém, mas confesso que acredito no potencial do simbolismo de datas específicas para presentear os agentes que elas homenageiam e no quanto isso pode ser especial para eles.
Escrevo este texto como uma homenagem para o Dia do Professor, e trouxe a história de três pessoas que foram marcadas, em algum momento de suas vidas, por algum de seus docentes.
Foi na segunda série do ensino fundamental que Wellen, hoje psicóloga, conheceu a “tia Wanda”. A tia logo notou que muitos da classe ainda não sabiam ler e sabia que para qualquer mudança deveria contar com o apoio das famílias. Assim, fez uma reunião com os pais, para apontar as desigualdades encontradas, explicar a importância de aprender a ler e frisar que não iria deixar ninguém para trás.
Depois disso, precisou encontrar uma metodologia que a permitisse trabalhar, de forma justa, com os dois grupos de alunos: os que sabiam ler e os que não. O que fez foi dividir a sala em duas. Começava passando atividades para o grupo de alunos que já sabiam ler. Depois, voltava sua atenção ao outro grupo e usava a lousa com ele. Conforme alunos do primeiro grupo começavam a terminar sua tarefa, ela os incentivava a ajudar os outros.
“Essa divisão foi necessária. A ação dela acabou nos aproximando. Fui entender a importância dessa atitude quando estive na faculdade, na aula de psicologia educacional. Ali, entendi a importância e o quão revolucionária e justa ela foi. Essa é a história mais marcante da educação para mim. Tia Wanda, espero que esteja bem e saiba a importância do seu trabalho”, diz Wellen.
“Ele se sacrificou por nós”
Não é incomum, no contexto da rede pública, alunos ficarem sem aula de alguma disciplina por um período significativo de tempo. Foi o que aconteceu com a Glauciane em seu nono ano do ensino fundamental. A professora de ciências precisou sair e não teria substituto, o que deixou boa parte de sua sala preocupada, pois muitos desejavam ingressar na ETEC para o ensino médio e no ensino superior ao fim dele.
Foi aí que Roger, seu professor de matemática, sensibilizado com seus alunos, tomou uma nobre decisão: se dispôs a, todo sábado de manhã, ir à escola para fazer um reforço de química, física e matemática. Fez isso pelos alunos, e o esforço gerou resultados. Boa parte deles entrou em universidades públicas ou em particulares com bolsa.
“Ele se sacrificou por nós. Foi um dos professores que fiz questão de ir lá e agradecer quando fui aprovada na USP. Isso me marcou muito. Tenho gratidão. Foi além do exigido por ele, fez de coração, pois era apaixonado pela educação. Professor, muitos se conformam em fazer apenas o que lhes é obrigatório, mas o senhor não mediu esforços para ir além e se doou por nosso sucesso”, diz Glauciane.
“Duas professoras me abriram o caminho para o mundo”
Foi no ano de 1986 que Iolanda, que estava na oitava série, filha de mãe semianalfabeta e pai com ensino médio do Mobral, teve uma experiência que mudaria sua vida para sempre: conhecer o campus da USP de São Paulo com um grupo de colegas de classe. Isso foi graças à ação de duas de suas professoras, Sandra e Pietra. A experiência foi uma grande aventura, saíram de Santo André e precisaram pegar ônibus e metrô, mas valeu a pena.
“Quando eu conheci o campus, tive certeza de que era ali que queria estudar. Antes, eu nem sabia da existência da USP. Elas mudaram a minha vida. Eu era bem pobre, vivia com o dinheiro contado para passagem de ônibus. Elas me abriram o caminho para o mundo, não só financeiramente, mas também culturalmente”, conta Iolanda, profissional da indústria farmacêutica há 25 anos.
Precisamos de vocês
Sem as “tias” como Wanda, muitos nunca aprenderiam a ler. Sem professores como Roger, muitos sairiam do ensino médio com déficit total em alguma disciplina. Sem professoras como Sandra e Pietra, muitos não teriam informações para sonhar.
Este texto é para que você, professor, saiba o quanto seu trabalho é importante e transcende a sala de aula. Você marca a vida de seus alunos. Sei que eles são a maior razão, e muitas vezes a única, para que você siga adiante, e sinto muito por tudo o que passa, por não ser valorizado como mereceria e enfrentar mais desafios do que deveria.
Também acredito na educação e em um mundo sem desigualdades. Por isso, gostaria de pedir, em nome de todo o país, que, por favor, você continue na luta. Ela não é em vão. Sei que não é fácil, mas mudanças não serão possíveis sem você – e sei que sabe disso. Precisamos de você, e em cada um dos alunos que cruzar seu caminho estará alimentada a construção desse futuro mais justo. Um mundo em que você, finalmente, será respeitado.
E para você, estudante que sonha em ser professor, gostaria muito de dizer que será fácil e sem desafios, mas eu estaria mentindo, e você sabe disso. O que digo é que nós também precisaremos de você, que terá a chance de fazer diferença na vida de seus alunos, assim como um dia um professor fez na sua.
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Vozes da Educação é uma coluna quinzenal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1