Idealizadora chegou a ter o cabelo cortado por se recusar a fazer chapinha.
Crianças e adolescentes participam de ensaio fotográfico.
Do G1
Transformar o sofrimento em lição de vida e utilizá-lo para combater o preconceito. Foi assim que a estudante de 23 anos, Raissa Rosa, criou o projeto “Perólas Negras”, da Organização Não Governamental (ONG) Casa Cultural do Morro, em Viçosa, na Zona da Mata. O objetivo principal da iniciativa é a valorização da beleza negra, trabalhando a autoestima de crianças e adolescentes. “Eu estudava em uma escola particular. Era a única negra do local e que tinha o cabelo crespo. Eu era bolsista, pobre, filha da faxineira. Carreguei o preconceito por toda a infância. Sofria muito e chegaram até a cortar o meu cabelo porque eu não aceitava fazer chapinha. Por isso, minha intenção é fazer com que as meninas se aceitem e se encontrem”, explicou a jovem.
O projeto começou em junho de 2013 e atualmente atende 15 meninas com idades entre sete e 15 anos do Bairro Sagrado Coração de Jesus, conhecido como morro do Rebenta Rabicho. Toda semana são realizados tratamentos para manter os cabelos crespos naturais. “Nós vamos trabalhando a beleza e fazendo com que as meninas se aceitem da forma que são. Queremos que elas tenham orgulho de seus traços e se achem bonitas”, destacou.
O projeto conta com a parceria de uma empresa de cosméticos da cidade, que cede os produtos, como shampoos e cremes. “Nós ensinamos também a hidratar o cabelo de forma natural, com maionese, cenoura, entre outros”, contou. Além disso, de dois em dois meses são realizados ensaios fotográficos, buscando quebrar a ideia de que apenas a mulher branca, magra e de cabelos lisos é bonita.
Para participar, as meninas têm que abandonar processos químicos no cabelo. Não se pode fazer nenhum tipo de alisamento. Elas também precisam estar matriculadas em uma escola. “Todas as meninas que hoje participam do projeto já tinham aplicado algum tipo de química no cabelo, inclusive as menorzinhas. Uma de nove anos, por exemplo, chegou praticamente careca”, lembrou Raissa.
A iniciativa também propõe atividades que auxiliam no desenvolvimento das meninas, como oficinas de confecção de turbantes, maquiagens e rodas de conversa, buscando resgatar os valores da cultura negra. “Nós discutimos a mulher negra na sociedade brasileira. Conversamos sobre a luta de classe e quem foram as negras. Tudo dentro de uma fala didática, em uma linguagem que as crianças entendem”, explicou Raissa. Além disso, são oferecidos acompanhamentos psicológico e pedagógico, com aulas de reforço para as crianças.
Segundo Raissa, o Pérolas Negras começa a atrair também os meninos e as mães. “A partir do momento que as meninas passam a se afirmar, a ver que são realmente bonitas, elas contagiam o ambiente. Agora já temos três meninos conosco. E estamos buscando atrair também as mães. Muitas delas são solteiras, trabalham, e não tem tempo de se cuidar. Queremos que elas se aproximem”, afirmou.
Entre os resultados positivos, as próprias meninas já fundaram um conselho com o objetivo de ajudar mais mulheres. “Elas estão se organizando. Eu só orientei. As meninas realizam eventos e começam a se inserir na atividade pública. São crianças que querem mostrar que, apesar da idade, já passaram por dificuldades e querem mudar a realidade”, comemorou a idealizadora do projeto. A estudante Gabrielly Moura, de oito anos, é uma dessas meninas e está feliz com o resultado. “Eu gosto muito. Lá eu aprendo a respeitar o próximo e várias formas de arrumar o meu cabelo. Uso arquinho, faço trancinhas e hidratação”, comentou.
Casa Cultural do Morro
Fundada em setembro de 2012, a Casa Cultural do Morro tem o objetivo de promover a inclusão cultural através de atividades artísticas. A ONG oferece diversas opções, como aulas de hip hop e capoeira,. O local não tem parceria com o governo e sobrevive de doações.