Protagonismo brasileiro no debate internacional sobre encarceramento feminino

Estamos atrás apenas dos Estados Unidos e da China no ranking de países que mais encarceram mulheres

“Lutar pelo desencarceramento, pela redução do sofrimento e pela garantia de direitos de mulheres cis e trans em privação de liberdade.” A missão da organização Elas Existem foi levada por Caroline Bispo, uma de suas fundadoras, ao prédio ONU (Organização das Nações Unidas), em Nova York, no último 24, durante o International Forum on African-Caribbean Leadership (IFAL), evento paralelo à Assembleia Geral da ONU.

Mais de 40 mil mulheres estão presas no Brasil. Na maioria negras, jovens, mães solteiras, pouco escolarizadas, alvos da chamada guerra às drogas. Estamos atrás apenas dos Estados Unidos e da China no ranking de países que mais encarceram mulheres. E pouco falamos sobre isso. Advogada, mestra em segurança pública, pós-graduada em direito penal e criminologia, Caroline percebeu a necessidade de pautar o debate público sobre a situação de mulheres privadas de liberdade. Em 2016, criou a Elas Existem com o objetivo de promover debates, palestras e oficinas sobre os sistemas prisional e socioeducativo, onde estão as adolescentes.

Mulheres presas em penitenciária feminina de São Paulo – Marlene Bergamo – 17.mai.2010/Folhapress

Além de divulgar violações, como a falta de absorventes menstruais para meninas e mulheres encarceradas, a Elas Existem promove rodas de conversa e debates, principalmente a partir da literatura, dentro das unidades prisionais e socioeducativas. No projeto de remissão de pena pela leitura, cada livro lido significa menos quatro dias de cárcere. Na sede da organização no Rio de Janeiro, recebem egressas para ações de formação e empreendedorismo, oferecem orientação jurídica e se emocionam com histórias como a de Vanja, que as procurou em 2019, de tornozeleira, um mês depois de sair do presídio.

Com aproximadamente 50 anos de idade, Vanja havia sido presa três vezes, tanto adolescente como adulta. A filha também havia sido presa adolescente e depois adulta. Ao procurar a Elas Existem, a certeza de Vanja era de que a neta não podia ser presa, era necessário quebrar o ciclo perverso naquela família. “Hoje Vanja é multiplicadora nos nossos projetos, Verônica, sua filha, já fez muitas atividades com a gente, em liberdade, e sua neta Vitória, está com 11 anos, felizmente muito longe do socioeducativo”, comemora Caroline.

Em 2014, no Acre, onde a organização também atua, 100% das mulheres encarceradas eram negras. Ainda que a maioria da população do Acre já fosse preta ou parda, era um espanto que 100% das presidiárias do estado fossem negras. Ali, as leituras e debates da temática racial se impuseram com força. Assim como a situação das mulheres trans presas em alas masculinas tem exigido atenção específica aos debates de gênero.

No projeto de remição de pena pela leitura, realizado tanto no Acre como no Rio de Janeiro, são oferecidas oficinas de leitura, já que a maior parte das mulheres não traz consigo essa prática. Cada um dos livros é debatido, as participantes produzem resenhas críticas e relatórios de leitura. A organização cuida de todos os trâmites burocráticos de encaminhamento dos relatórios e acompanhamento jurídico das remições de pena.

O sucesso do programa permitiu parcerias na Colômbia, no México e em diferentes estados norte-americanos. Desde 2017, Elas Existem compõe a Women in Prison, rede de organizações com mais de 20 países que trabalham com mulheres dentro do sistema prisional.


Bianca Santana – Doutora em ciência da informação, mestra em educação e jornalista. Autora de “Quando me Descobri Negra”

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