Psicologia:“O Racismo Institucional se constata exatamente quando não se coloca em questão o já estabelecido”

 

 

Uma das frentes de discussão da Psicologia brasileira na atualidade é o chamado Racismo Institucional, tema que tem ganhado cada vez mais espaço nos debates e lutas políticas da nossa categoria profissional.

Em termos gerais, o Racismo Institucional se caracteriza pelo fracasso das instituições, públicas e/ou privadas, em atuar de forma equânime com os cidadãos em função da sua cor, origem, local de residência e/ou condição sócio-econômica. Essa situação é bastante sensível no plano público, onde, por exemplo, muitas políticas públicas – e as respectivas redes de serviços delas derivadas – não chegam da mesma forma para determinados grupos sociais.  

Essa é, portanto, uma perversa manifestação de racismo que se estabelece nas estruturas de organização da sociedade e de suas instituições, traduzindo os interesses, ações e mecanismos de exclusão e discriminação executado pelos grupos hegemônicos e dominantes. 
Entre os dias 1º e 3 de maio, foi realizada a 2ª edição do PSINEP – Encontro Nacional de Psicólogas(os) Negras(os) e Pesquisadoras(es) de Relações Raciais e Subjetividades – na cidade de Recife (PE). A proposta desse evento é fomentar, entre psicólogas (os), estudantes e demais profissionais, a discussão da temática das relações raciais, um tema importante, porém constantemente negligenciado nos debates de nossa sociedade.
Para falar um pouco mais a respeito, conversamos com a psicóloga Maria da Conceição Nascimento (CRP 05/26929), conselheira do CRP-RJ, coordenadora do Grupo de Trabalho Integrado Psicologia e Relações Étnico-Raciais, Diversidade Sexual e Identidades de Gênero da Comissão Regional de Direitos Humanos do CRP-RJ e representantes do Conselho na Articulação Nacional de Psicólogas (os) Negras (os) e Pesquisadoras (es) das Relações Raciais e Subjetividades (ANPSINEP).

No que diz respeito ao Racismo Institucional, o que se pode dizer sobre isso no Brasil?

Quando falamos em Racismo Institucional, nos referimos ao fracasso das instituições e organizações em promover um serviço profissional adequado às pessoas em decorrência de sua cor, cultura origem racial ou étnica. Podemos exemplificar isso: uma escola pública à qual todas as crianças tenham acesso e permanência garantida é um direito constitucional. Pois bem, para não me alongar, aponto pelo menos duas questões cruciais do nosso sistema de ensino: a evasão escolar e repetência. Isso vem sendo discutido há muito tempo pelos gestores e, apesar de serem tomadas algumas medidas, poucos são os avanços. A situação ainda é crítica e é na população negra que se verificam os maiores índices de reprovação e evasão escolar. Não se dá atenção a esse detalhe, posto que comumente se diz que a escola atende a todos igualmente. Será? Ora, o racismo institucional se constata exatamente aí, quando não se coloca em questão o já estabelecido, quando não vê relação entre o resultado obtido e a especificidade da população atendida, quando os prestadores de serviço adotam, no cotidiano do trabalho, comportamentos discriminatórios decorrentes da falta de atenção, da ignorância, do preconceito ou de estereótipos racistas.

Diante dessa problemática, seria possível apontar a raiz do Racismo Institucional no Brasil?

Não sei se poderia falar em raiz do Racismo Institucional. Penso que é interessante ter em mente que não se trata de um novo tipo ou nova forma de racismo. O Racismo Institucional sempre coloca pessoas pertencentes a grupos raciais ou étnicos discriminados em desvantagem quanto ao acesso a bens e serviços gerados pelo Estado e/ou por demais instituições e organizações. Daí que não é algo novo, tem a ver com ao modo como se deu a ocupação dos espaços nas cidades, no campo e no mercado de trabalho desde o Brasil colônia, passando pela abolição até a República. Até pouco tempo se explicava a permanência da população negra nos níveis mais baixos da “pirâmide” como herança da escravidão; hoje entendemos que isso ocorre porque existem normas e práticas institucionais que perpetuam as desigualdades. Tudo parte da ideia preconceituosa sobre um determinado grupo racial ou étnico. A maneira como são tratadas as pessoas negras, os pobres, os moradores de favelas, as pessoas com deficiência e etc dificulta ou impede o acesso a bens e serviços. Ou ainda, são disponibilizados serviços de acordo com estereótipos sobre uma determinada população, exemplo: a ação da polícia na Zona Sul do Rio de Janeiro não é a mesma na favela, esta última vista como reduto de marginais e onde o primeiro suspeito a ser revistado e detido é negro. É o caso do ator preso recentemente. Isto é Racismo Institucional.

Na sua concepção, o que é preciso para que haja um progresso significativo do combate ao Racismo Institucional?

É preciso se apropriar do conceito de Racismo Institucional e a partir daí tornar o racismo visível nas instituições e na sociedade para combatê-lo. Como? Através de políticas públicas e/ou de outras (iniciativa privada) que realmente deem conta das especificidades das populações atingidas pelo Racismo Institucional. Caso contrário, os indicadores permanecerão os mesmos.  É preciso garantir a todos e todas, independentemente de seu pertencimento étnico-racial, cultural e/ou religioso, orientação sexual, deficiência ou quaisquer outras peculiaridades o acesso a bens e serviços.

Qual tem sido a atuação do CRP-RJ nessa discussão e qual a sua importância?

A de apoiar e incentivar o envolvimento dos psicólogos nessa temática. O CRP-RJ tem norteado sua ação a partir do compromisso com a defesa dos Direitos Humanos; é uma posição ética e política em face da construção e consolidação de uma sociedade que seja de fato democrática. Ressalto o esforço das últimas gestões em colaborar e participar da construção de propostas de combate ao racismo.

Não podemos esquecer ainda a Resolução CFP nº 018/2002, que estabelece normas de atuação dos psicólogos com relação ao preconceito e discriminação raciais. E o CRP-RJ participa do GT Nacional Evidenciar a Resolução CFP nº 018/2002. Talvez seja oportuno problematizar a necessidade de uma resolução para que haja envolvimento dos “psis” no combate ao racismo e outras formas de intolerância! Porém, deve-se considerar que há bem pouco tempo o Estado brasileiro reconheceu ser o racismo um dos determinantes das desigualdades sociais (final do século XIX). É incrível, mas é só no século XXI que de fato o debate começa a ganhar corpo na sociedade e surgem políticas públicas voltadas para a população negra.

Penso que cabe à Psicologia e aos “psis” buscar cada vez mais comprometer-se com o tema das relações raciais e contribuir mais para que tenhamos uma sociedade na qual a diversidade humana seja entendida como riqueza. Nesse sentido, o CRP-RJ tem apoiado diversas iniciativas de promoção desse debate com a categoria assim como as lutas dos movimentos sociais comprometidos com o combate ao racismo.

 

 

 

Fonte: CRP RJ

 

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