Público pede e Itaú Cultural cancela apresentação de peça considerada racista

No lugar da peça “A mulher do trem”, haverá um debate sobre o ocorrido, a arte e o racismo. A atividade está programada para o dia 12, às 20h

Do Ciranda

No último sábado (02), militantes do movimento negro e ativistas feministas se uniram para convocar um ato de protesto contra a companhia de teatro Os Fofos Encenam, que faria apresentação de duas peças no espaço Itaú Cultural, a partir do dia 12 de Maio. O motivo do repúdio é o uso de “blackface“, uma pintura que imita pessoas negras de forma caricata e debochosa.

Em nota publicada na página do evento, a companhia de teatro afirmou que “a máscara do negro foi forjada por todos os circos e em todos eles apresenta as mesmas características“. Enquanto é verdade que o blackface é algo antiquíssimo, utilizado amplamente, esse argumento não anula o debate sobre o racismo, usar o blackface seria uma forma de estereotipar os negros e assim reforçar preconceitos?

Os Fofos Encenam não são os únicos criticados recentemente por fazerem uso do blackface. Há muita gente que ainda se utiliza da caricatura da mulher negra. E há exemplos bem conhecidos como, por exemplo, o programa Zorra Total, da Rede Globo, que por muito tempo exibiu um quadro onde um homem se fantasiava de mulher negra, pintando a pele, utilizando cabelos crespos, dentes podres, fala “errada” e roupas “de pobre”.

O que é Blackface:

Blackface é uma forma de composição teatral usada por artistas para representar uma pessoa negra. A prática ganhou popularidade durante o século 19. Em 1848, nos shows de menestréis, o blackface era considerado uma arte nacional americana da época. (Fonte: Recursos Educativos)

Itaú Cultural cancelou a apresentação do grupo e postou uma nota no facebook:

“Nós do Itaú Cultural e da Os Fofos Encenam recebemos todas as manifestações por meio do facebook como um grande aprendizado e assim comunicamos:

1) Estamos solidários a todos que, de alguma forma, se sentiram ofendidos e nos desculpamos, porque definitivamente esta jamais foi a intenção. Nossas instituições acreditam na diversidade em todos os campos. E, apesar de surpresos, recebemos com atenção e respeito todas as publicações aqui.

2) Neste cenário de aprendizado, decidimos cancelar a apresentação da peça A Mulher do Trem no dia (12/05) e convidamos todos a participarem, no mesmo horário, de um debate sobre as questões aqui levantadas.

A ideia é que todos juntos possamos refletir e ressignificar o fazer artístico e continuar apoiando a transformação social que, acreditamos, só pode ocorrer de forma colaborativa, coletiva.

Nos próximos dias, publicaremos mais informações sobre a organização deste debate e seguimos aqui à disposição.”

Leia também: 

Racismo explícito no Zorra Total relembra humor segregacionista dos EUA


A Cia. de Teatro Os Fofos Encenam também postaram uma nota no evento:

“Fernando Neves, diretor do grupo Os Fofos Encenam, é filho de tradicional família circense que chegou no Brasil em 1890 e construiu, ao lado de outros Circos que por aqui se estabeleceram, uma trajetória importante na constituição de uma identidade artística brasileira. Esses circos andavam por todos os cantos do país, travando diálogo com as expressões da cultura local, incorporando temas e artistas e intercambiando essas influências através da sua mobilidade pelo territórionacional. A partir da observação do Homem em diferentes regiões, os artistas circenses elaboraram máscaras que, como na Commedia Dell’Arte, representam tipos sociais e portanto revelam e amplificam as relações daquela época, incluindo inevitavelmente relações de poder que retratavam a sociedade brasileira do final do século XIX até meados do século XX. A máscara do negro faz parte desse painel e, portanto, não podemos ignorá-la assim como a nenhuma outa máscara do nosso universo de pesquisa. A máscara do negro foi forjada por todos os circos e em todos eles apresenta as mesmas características (assim como a máscara da ingênua, do galã, da patroa megera, etc) o que revela o seu caráter de máscara operadora de uma linguagem e, portanto, mesmo que seja um ator negro a representar a personagem ele terá que pintar o rosto de preto. Assim como as trupes de teatro popular buscavam escancarar as relações sociais vigentes, com o objetivo de questioná-las e eventualmente transformá-las, Os Fofos Encenam buscam na sua expressão artística lançar um olhar sobre a sociedade em que vivemos. Essa é a referência que norteia o trabalho do grupo e que fundamenta a pesquisa séria e reconhecida desenvolvida sobre o universo teatral circense desde 2003 com a estreia do espetáculo A Mulher do Trem.”

O debate será no dia 12/05, às 20:00 no Itaú Cultural (Av. Paulista, 149 – São Paulo)

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