PUC-Rio perde título dos Jogos Jurídicos e está fora da competição após casos de racismo

Os casos de racismo praticados pela torcida da PUC-Rio neste fim de semana durante os Jogos Jurídicos em Petrópolis, na Região Serrana, tomaram conta das redes sociais. Os alvos foram alunos da Uerj, UFF e da Universidade Católica de Petrópolis (UCP)

Por RAFAEL NASCIMENTO, do O Dia 

Jogos Jurídicos – Reprodução / site o dia 

A Liga Jurídica Estadual, que organiza os Jogos Jurídicos Estaduais, decidiu retirar o título de campeão geral da competição e suspender a participação da Pontífice Universidade Católica (PUC-Rio) da próxima edição. A decisão foi tomada após os episódios racistas protagonizados por alunos da instituição privada neste fim de semana no evento. Uma comissão disciplinar vai apurar o caso internamente para identificar os responsáveis.

Em nota, o grupo responsável pelo Jogos sem Racismo disse que uma postura da Liga já vinha sendo cobrada após o episódio envolvendo um atleta negro da Universidade Católica de Petrópolis (UCP). Na ocasião, uma casca de banana foi atirada contra ele pela delegação da PUC-Rio. A punição foi apenas uma multa de R$ 500 e a suspensão da torcida em um jogo.

Estudante da UCP foi vítima de racismo por alunos da PUC-Rio durante evento esportivo – Reprodução do site O Dia 

Entretanto, outros dois casos de racismo praticados por torcedores/alunos da PUC-Rio ocorreram no domingo, fazendo que o Jogos sem Racismo, além de dos coletivos Negros Patrice Lumumba (Uerj), Caó (UFF) e Cláudia Silva Ferreira (UFRJ – FND), cobrassem uma medida mais efetiva.

Além da retirada do título, a suspensão de um ano e a não participação nos próximos Jogos Jurídicos, os representantes do movimento negro das instituições pedem a identificação dos autores dos crimes. Dois deles teriam sido citados no registro de ocorrência feito na 105ª DP (Petrópolis).

De acordo com o delegado Claudio Batista Teixeira, titular da 105ª DP, até agora nenhuma das vítimas fez boletim de ocorrência. Teixeira já entrou em contato com o reitor da UCP em busca de mais informações, mas foi informado que o caso não aconteceu dentro das instalações da universidade. “O crime é de ação penal pública condicionada. Ou seja, mesmo sendo um crime de racismo, precisamos que a pessoa venha até a delegacia para fazer o registro. Esses alunos têm que se manifestar”, afirmou o delegado. “O que pode ter acontecido é injúria racial. Ou seja, uma ofensa usando a cor de pela ou raça como desculpa”, completa.

“Hoje, depois do que podem ter sido os quatro mais dolorosos dias das nossas vidas enquanto negros estudantes de Direito, pudemos começar a fazer Justiça com nossos atletas, torcedores e torcedoras agredidos. Esperamos, ao menos, que essa dor descomunal se revele uma oportunidade para que TODAS as Faculdades de Direito repensem suas práticas e tornem os Jogos um ambiente mais inclusivo”, disse o Jogos sem Racismo, em nota.

Raiza Uzeda, de 21 anos, estudante de Direito da Uerj e uma das organizadoras e fundadoras do Coletivo Jogos sem Racismo lembra como foi o incidente. “Nós ficamos revoltados pelo que aconteceu no sábado, quando jogaram uma casca de banana no menino da UCP. Há muito tempo cobranças já estavam sendo feitas para que alguma medida fosse tomada contra o racismo nos jogos. A torcida da Uerj gritava ‘PUC racista’ e eles respondiam com xingamentos”, contou.

“Estamos recolhendo provas e testemunhos do que aconteceu. Os nossos advogados já estão acompanhando o caso. Não fizemos o boletim de ocorrência ainda, mas vamos fazer no decorrer da semana. Acabei de voltar de lá (Petrópolis) e estou cansada emocionalmente. Assim como eu, meus colegas que sofreram essa agressão estão fragilizados, péssimos”, lamentou Raiza.

Segundo a jovem, o aluno de Direito da UCP está traumatizado, mas deseja que o crime ‘não fique por isso mesmo’. “O meu colega disse que não vai deixar barato. Ele quer que os alunos da PUC sejam punidos. Em mais de 20 anos de existência, os Jogos Jurídicos sempre foram assim. Sempre existiu racismo. Frequento há mais de três anos e uma vez me mandaram voltar para a favela”, afirma a organizadora do Jogos sem Racismo.

Segundo a aluna de Direito da Uerj, Renata Azevedo, esta não é a primeira vez que ocorreram casos de racismo praticados por alunos da PUC-Rio. “É o quarto ano que vou e sempre tem racismo. Isso não me surpreende”, disse a estudante de 21 anos.

Três casos este fim de semana

Os casos de racismo praticados pela torcida da PUC-Rio ocorridos durante os Jogos Jurídicos em Petrópolis, na Região Serrana, tomaram conta das redes sociais. Segundo os relatos, alunos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade Católica de Petrópolis (UCP) foram os alvos. Os episódios racistas ocorreram no sábado e domingo.

“Muito triste e revoltante o que está acontecendo nos Jogos Jurídicos. Alunos (no plural) da PUC-Rio, para provocar o Direito-UERJ, saíram do ginásio imitando macacos. Ontem, outro estudante de lá jogou uma casca de banana contra uma atleta negro da UCP. Casos de polícia”, escreveu um universitário da Uerj.

Em outro episódio, o alvo foi uma aluna da UFF. Segundo o relato, a atleta de handebol feminino foi chamada de macaca por outra universitária da PUC-Rio. As duas universidades disputavam a decisão na modalidade.

“Diante do racismo, evidentemente os alunos da UERJ ficaram revoltados. Nisso, uma menina da PUC vira para a gente e diz: ‘Olha o meu rosto, você acha mesmo que eu vou ser presa?’. Muito entristecedor estar tão próximo de um caso explícito de racismo”, disse o estudante de Direito da Uerj, que sofreu ameaças nas redes sociais após relatar os casos.

“Um absurdo. Mesmo que o meio universitário tenha se tornado mais inclusivo ao longo dos anos, ainda é um ambiente muito hostil pra estudantes negros, que estão expostos a esse tipo de humilhação a qualquer momento. Porém o mais grave pra mim é saber que daqui há uns anos essas pessoas vão ser os profissionais que vão estar atuando na sociedade. Mais grave ainda se a gente for pensar que vão ser essas pessoas que vão se encarregar da Justiça brasileira”, disse Gabriel Trancozo, de 19 anos, que faz Serviço Social na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Alunos da Uerj registraram o caso na 105ª DP (Petrópolis). Uma manifestação está programada para esta segunda-feira por alunos da instituição estadual. Na Gávea, estudantes de um coletivo negro da instituição onde estudam os acusados de racismo vão realizar um protesto na terça-feira.

Em nota, a UFF informou que acompanha ‘com preocupação e indignação os relatos sobre a ocorrência de crimes de cunho racista contra membros da nossa comunidade acadêmica’. Confira parte do documento:

“A UFF é uma instituição de referência nacional em inclusão, diversidade, respeito e convívio democrático. Zelamos por uma história de desenvolvimento e aplicação de políticas públicas e iniciativas internas de inclusão e amparo a populações marginalizadas. Implementamos ações afirmativas para a entrada de estudantes negros na pós-graduação e constituímos comissões institucionais com participação ativa e construtiva de membros de coletivos estudantis da Universidade.  Prestamos completa solidariedade aos atingidos, e colocamos à disposição a nossa Ouvidoria, para que sejam acionados os instrumentos internos de amparo às vítimas.”

Procurada, a PUC-Rio divulgou uma nota assinada pelo vice-reitor comunitário e o diretor do Departamento de Direito, na qual informam que abriram uma comissão disciplinar para apurar os fatos e identificar os responsáveis. [Leia no final a nota na íntegra]

A UCP, que teve um atleta negro vítima de racismo, disse em nota que “não participa da organização do evento de nenhuma maneira” e que “nenhum aluno procurou a universidade para fazer qualquer reclamação sobre este assunto.” As outras instituições que tiveram alunos vítimas de racismo também não se posicionaram até a publicação desta reportagem.

Nota da PUC-Rio

“Após tomar conhecimento, pelas redes sociais, de informações sobre atos de racismo possivelmente ocorridos durante os jogos jurídicos, a Vice-Reitoria para Assuntos Comunitários e o Departamento de Direito da PUC-Rio decidiram constituir Comissão Disciplinar para averiguação das informações e, caso confirmada a veracidade, a apuração e individualização das responsabilidades de membros do corpo discente. A Comissão Disciplinar será composta pelos professores Breno Melaragno, professor de Direito Penal, Job Gomes, professor de Direito do Trabalho e de Direito Desportivo, e Thula Pires, coordenadora do NIREMA (Núcleo Interdisciplinar de Reflexão e Memória Afrodescendente) e professora de Direito Constitucional, e terá prazo de quinze dias para elaboração de relatório.

Permanecemos fieis ao pioneirismo na promoção da diversidade e da igualdade racial, pois foi a PUC-Rio o berço dos pré-vestibulares comunitários para negros e carentes, a primeira instituição particular brasileira a instituir política de acesso e permanência de alunos negros e carentes, mediante concessão de bolsas de estudo, auxílio financeiro para custeio de despesas de alunos bolsistas, por meio do programa FESP (Fundo Emergencial de Solidariedade da PUC-Rio) e a primeira instituição a oferecer disciplina na graduação sobre ações afirmativas.

Aproveitamos a oportunidade para reiterar o compromisso da PUC-Rio com os princípios que constituem nossa missão pedagógica e cidadã. Com base nesses princípios, acreditamos que o racismo, violência que ainda corrói a sociedade brasileira, deve ser enfrentado por medidas repressivas e inclusivas. Não tergiversamos em combater qualquer forma de manifestação de racismo por meio de punições disciplinares e preservaremos o esforço de contínua melhoria das políticas de promoção da diversidade e da igualdade racial em nossa Universidade.

Professor Augusto Sampaio

Vice-Reitor Comunitário da PUC-Rio

Professor Francisco de Guimaraens

Diretor do Departamento de Direito da PUC-Rio”

 

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