Entenda o impacto de gênero e cor no quanto da renda é preciso economizar para atingir seus objetivos
Por Por Isabel Filgueiras, do Valor Investe

Planejadores financeiros e especialistas em investimentos costumam fazer sugestões genéricas para as pessoas guardarem dinheiro e aplicarem suas economias. Mas não podemos esquecer que, também no mundo das finanças pessoais — e por motivos conhecidos —, a cor da pele e o gênero influenciam em quanto cada pessoa pode e consegue acumular ao longo da vida. Levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta, por exemplo, que a remuneração média de um homem branco é mais que o dobro daquela de uma mulher negra. O salário integral delas equivale a apenas 44% do salário deles.
Renda do brasileiro
Se o salário de um grupo é tão maior que o do outro, parece um tanto óbvio que isso vai afetar a capacidade de cada extrato economizar para aposentadoria. Nesta matéria, vamos tentar quantificar o tamanho do problema.
Não há muita dúvida: quando o aporte periódico nas aplicações financeiras é menor, as metas de acumulação de capital costumam ficar mais distantes e difíceis de alcançar. Sem falar que um salário mais baixo também implica em capacidade menor de investir, porque é mais difícil pagar todas as contas e ainda fazer com que sobre dinheiro. E com o cenário desfavorável ao investidor conservador, com taxa de juros na mínima histórica, a situação se agrava.
Os cálculos do consultor financeiro e blogueiro do Valor Investe, Marcelo D’Agosto, mostram que a diferença de cor de pele traz um prejuízo ainda maior que a de gênero quando se trata de capacidade de acumulação de recursos ao longo dos anos.
Na roda da desigualdade no Brasil, ser uma mulher branca traz mais privilégios que ser um homem negro.
Tirando como base os dados do IBGE, D’Agosto constatou que, em 30 anos, a diferença de patrimônio acumulado entre um homem branco e uma mulher negra chegaria, no cenário mais extremo, ao equivalente a R$ 790 mil em valores atuais.
A conta considera apenas investimentos conservadores, considerando o cenário atual de juros básicos na mínima, e ganhos reais de 1,5% ao ano.
“Numa hipótese em que o homem branco e a mulher negra gastassem cada um R$ 1.394 por mês para sobreviver e investissem o que sobrasse, ela teria zero e ele teria R$ 790 mil em 30 anos”, explica.
Dentro dessa lógica, entre homens e mulheres negros, a diferença de patrimônio cairia para R$ 167 mil a mais para eles. Entre mulheres, as brancas teriam um montante de R$ 447 mil a mais que as negras. Já comparando homens e mulheres brancos, eles acumulariam cerca de R$ 345 mil a mais que elas.
Em geral, consultores e planejadores financeiros recomendam um investimento de 30% da renda para um indivíduo de classe média. Seja para reserva de emergência, seja para um objetivo específico.
D’Agosto explica que o problema é que, quanto menor a renda, menor é a capacidade de a pessoa investir. Isso porque com uma renda mais baixa, fica um bocado desafiador ter dinheiro para aplicar. Com base na renda média de cada um dos grupos da pesquisa do IBGE, o consultor calcula que, com esforço, as mulheres negras poderiam tentar reservar 10% do salário, os homens negros, 15%, e os homens e mulheres brancos, 20% cada. Veja na tabela a diferença de patrimônio desses poupadores ao longo de 30 anos.
Patrimônio em 30 anos, com rentabilidade real de 1,5% ao ano
Pela média, nem mesmo um homem branco ganha o salário necessário para viver no Brasil de modo digno, segundo o cálculo do Dieese. Para a entidade, o salário mínimo ideal seria de R$ 4.342 em dezembro, quatro vezes acima do salário mínimo atual, de R$ 1.045.
Os cálculos são feitos com base na renda média de cada grupo. No entanto, a lógica também serve para outras faixas de renda (para cima ou para baixo), dado que a desigualdade social no Brasil permeia todas as camadas.
Dá pra ter R$ 1 milhão?
Se para quem está melhor na pirâmide social chegar ao primeiro milhão já é um caminho cheio de obstáculos, imagina para quem está lá na base. Neste caso, nascer negro traz ainda mais desvantagem que ser mulher. Mas e quando há a combinação das duas coisas?
Considerando a renda média de R$ 1.394 divulgada pelo IBGE, a planejadora financeira Luciana Ikedo calcula que a mulher negra não conseguiria atingir o equivalente (corrigido pela inflação) a R$ 1 milhão no prazo de 30 anos nem que investisse todo o seu salário numa aplicação de renda fixa com 4% de ganho real ao ano.
Qual percentual da renda invesitir ao mês para chegar a R$ 1 milhão em 30 anos?
“Penso que para essa parcela da população, que já se encontra em desvantagem, adquirir conhecimentos sobre educação financeira e investimentos é fundamental. E quanto antes, melhor. A educação financeira vai dar a base para que essas pessoas aprendam a ter controle sobre suas próprias finanças e melhorem sua relação com o dinheiro, entre o que ganham e o que é gasto, para fazer sobrar dinheiro mesmo”, afirma a planejadora.
Imaginando um cenário bastante improvável, se um homem branco e uma mulher negra guardassem 50% da renda para investir, ela teria de trabalhar 22 anos a mais que ele para chegar ao mesmo objetivo de R$ 1 milhão. A conta considera um retorno nominal bruto de 5% ao ano (sem desconto de impostos ou inflação). Ainda assim, ao fim do prazo de 39 anos de trabalho e privações desta mulher, o primeiro milhão ainda estaria defasado pela inflação.
Para chegar no objetivo de R$ 1 milhão sem perder o poder de compra (em termos reais, portanto), a mulher negra teria de encontrar uma rentabilidade quase impossível para a realidade de hoje. Se ela conseguisse a proeza de investir 30% do salário, como recomendado, precisaria encontrar um retorno real consistente de pelo menos 0,86% ao mês, ou quase 11% ao ano acima da inflação.
A título de comparação, no mercado americano o investimento em bolsa de valores costuma render, na média, cerca de 4% ou 5% acima do retorno da renda fixa, que por sua vez tem andado colada na inflação, ao redor de 2% ao ano.
Qual deve ser rentabilidade para ter o equivalente a R$ 1 milhão em 30 anos?
“Para que seja possível criar essa reserva de futuro, é essencial conhecer outras alternativas de investimentos que vão além dos produtos convencionais oferecidos atualmente por um gerente de um grande banco privado, por exemplo, e que tem rendido tão pouco”, completa a planejadora Luciana Ikedo.