Formada em Letras, a africana de Guiné-Bissau Nádia Ferreira, de 37 anos, conta que cresceu sem pensar sobre a questão racial.
Por Gabi Di Bella e Gui Christ Do BBC
“Lá eu era uma menina como qualquer outra. Foi no Brasil que a questão da raça despertou em mim. Descobri isso na pele, mas foi bom porque isso só me fortaleceu.”
Neste 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, data que evoca a memória do líder negro Zumbi dos Palmares (1655-1695), a BBC Brasil apresenta a visão de imigrantes de países majoritariamente negros sobre identidade racial e preconceito no Brasil.
Ferreira, há 15 anos no Brasil, afirma que a sensação de “estar no lugar errado” – e a posterior “tomada de consciência” – surgiu quando cursava a faculdade na USP (Universidade de São Paulo).
“Eu me sentava ao lado de alguém e a pessoa mudava de lugar. Numa sala com 200 alunos, só dois eram negros. Mas foi lá também onde conheci o grupo de consciência negra”, diz ela, que criou o coletivo Iada Africa (Mãe África) para discutir questões de raça.
A guineense foi estudar no Brasil por incentivo do pai, que acreditava que haveria menos preconceito no país. “Ele falava que as pessoas aqui já estavam acostumadas com os negros, mas quando conto que há racismo ele não acredita até hoje.”
Ela enumera episódios em que diz ter sido alvo de preconceito no país – já foi barrada na porta de um banco mesmo tendo guardado a mochila, por exemplo, e teve que esperar do lado de fora de uma sala onde iria fazer uma entrevista de emprego enquanto outras candidatas, brancas, passavam.
“Não te agridem porque a lei não permite, mas você é olhado de um jeito que diz: aqui não é o seu lugar”, afirma.
Para Ferreira, o negro imigrante é alvo de duplo preconceito. “Quando você é negro brasileiro te olham como incapaz. O imigrante africano já é visto como exótico, mas carregamos o peso do estereótipo de que africanos são agressivos ou preguiçosos.”
Curiosidade e preconceito
Natural do Burundi, pequeno país do centro-leste africano, o estudante Egide Nishimirimana, de 27 anos, também “despertou” para a existência do preconceito após chegar ao Brasil.
“Antes de chegar eu não me preocupava com preconceito de raça. No Burundi todo mundo é negro, e o que existia lá era o preconceito de etnia, usado politicamente para tomar o poder”, conta.
Ele diz acreditar que o negro imigrante ainda sofra menos do que o negro brasileiro no cotidiano. “Normalmente quando começam a conversar com você e veem que é estrangeiro isso gera simpatia pela curiosidade.”
Nishimirimana se diz satisfeito com a vida no Brasil, mesmo diante de situações difíceis.
“Percebi aqui é que esse preconceito racial é muito verdadeiro. Não vou generalizar, mas algumas pessoas quando veem um negro acham que é ladrão ou mal educado”, afirma ele, que vê o transporte público como cenário cotidiano de preconceito.
“As pessoas trocam de lugar ou colocam a mochila para frente quando me veem.”
Conscientização
Há seis meses no Brasil, o músico congolês Ephata Tshiaba, de 31 anos, também diz notar o tratamento diferente ao usar o metrô. “Vejo as pessoas se afastando, ficam me olhando de modo estranho, mas cada um é livre para pensar como quer.”
Em geral, Tshiaba diz ser bem tratado por aqui – para ele, o preconceito aparece em outras situações corriqueiras, como abrir uma conta no banco. “Já fui a vários e nenhum aceitou, mesmo já tendo o documento da Polícia Federal e o CPF.”
Como os outros colegas africanos, ele diz que sua conscientização sobre a identidade negra se consolidou mesmo no Brasil. “Lá (no Congo) eu não tratava sobre preconceito, mas aqui quero trabalhar na conscientização das pessoas”, conta ele.
Em uma mesquita no centro da capital paulista, o senegalês Papa Ba, de 28 anos, diz que estudou sobre o passado escravagista do Brasil ainda na África, mas desconhecia a história de Zumbi – o líder negro que combateu autoridades e fazendeiros nos primeiros tempos de ocupação colonial – e a própria origem do feriado de 20 de novembro.
“Aprendi muita coisa sobre o Brasil antes de vir, e acho o histórico daqui um pouco triste”, diz.
No Brasil, país majoritariamente negro (53,6% da população se classificam como pretos e pardos) em que negros ocupam 18% dos cargos de liderança e ganham, em média, apenas 59% do que recebem os brancos, é importante que o imigrante conheça o tema da escravidão na América Latina, diz a guineense Nádia Ferreira.
“Os imigrantes, e principalmente os que estão chegando agora, têm que escutar e aprender sobre essa história.”