Quebrando ovos

Por Fernanda Pompeu

Minha mãe sempre foi a czarina dos provérbios. Cresci ouvindo um dito popular para cada situação. Quando bem pequena, eu acreditava que mamãe era a autora deles. Pensava com orgulho e certa intimidação: como mamãe é sabida! Com o tempo, ela diminuiu a profusão dos ditos, mas ainda mantém dois ou três debaixo da língua.

Verdade que agora, aos 81 anos, ela sabe que a vida não cabe em tiradas dogmáticas. Se antes ela usava ditados mais duros: Sua alma, sua palma, Cada cabeça, uma sentença, hoje ela gosta das brincadeiras. Quando alguém pede licença, ela diz: Licença só na prefeitura. Ou ao ouvir um agradecimento, ela solta: Obrigado não, caixinha!

Sei que muita gente letrada torce a caneta para as frases feitas. Exatamente por elas serem pré-fabricadas etc. Os manuais de jornalismo também condenam com veemência os provérbios, alegam que são lugares-comuns, clichês. Porém, creio que a força deles está em serem comum a todos.

Não conheci ninguém que semeou vento e colheu calmaria, não tenho notícia de super-herói quebrincou com fogo e não se queimou. Quero dizer, para cunhar um adágio são necessárias gerações observando fenômenos recorrentes.

Todas as culturas têm seus provérbios. Chineses e esquimós os têm. Curdos e suecos também. Há ditos rurais (a maioria), urbanos, humanistas, preconceituosos. Eu gosto muitos dos nascidos nas cozinhas. Tem caroço neste angu, acho delicioso. E o meu predileto: Não se faz um omelete sem quebrar os ovos!

Creio que este último é o mais sincero de todos. Pois amamos a forma do ovo – tão perfeita e delicada. A escritora Clarice Lispector (1920-1977) no conto magnífico O Ovo e a Galinha, confessa: “Eu te amo, ovo”. Fato é que se pudéssemos fazer o omelete sem quebrar os ovos, seríamos mais felizes, mais risonhos.

Mas não dá. Às vezes, temos que nos despedir do bom para escapar do péssimo. Decidir entre dois amores para não terminar sem nenhum. Deixar o lar querido para empreender a grande viagem. Eis um provérbio para gente adulta. Gente que sabe que não existe omelete sem ovos quebrados.

Abrir mão de coisas e até de pessoas queridas é aula que vamos decorando. Você faz, ou morre de fome. Mas, ao menos, ao quebrar os ovos chegamos no omelete. É uma troca. Bem mais suave do que o inconsolável leite derramado.

Fonte: Yahoo

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