Quem sumiu com Amarildo fomos nós

sumiço de Amarildo de Souza, servente de pedreiro, levado por policiais de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha, é o retrato de uma sociedade desigual que tolera a violência policial que recai contra as classes sociais mais baixas.

Há fortes indícios de que ele tenha sido morto por policiais. As câmeras de segurança da base não funcionavam no dia, assim como o GPS dos carros também, coincidentemente, quebraram.

O fato de recair na polícia a suspeita desse homicídio causa indignação, mas não surpresa. Afinal, os heróis do Rio são os membros do Bope que, sugestivamente, usam como símbolo o crânio de uma caveira com uma faca enfiada e que têm um blindado que se chama “caveirão”.

A polícia sempre matou e a sociedade sempre aplaudiu.

O sinal da sordidez de nossa PM é que ninguém, com um mínimo de senso de ridículo, é capaz de dizer que um soldado não seria capaz de matar e desaparecer com o corpo de uma pessoa inocente.

O que é preciso dizer é que essa sordidez não é a degradação de uma instituição que saiu do controle — ao contrário, ela decorre de uma sociedade desigual e violenta. Em suma, a polícia sempre fez o que a sociedade quis que ela fizesse.

A repressão penal é, essencialmente, seletiva. Os vários níveis do sistema penal — polícia, Ministério Público e Judiciário — são vocacionados para perseguir as condutas dos pobres. Isso se dá tanto no momento de fazer as leis, como no momento de iniciar a apuração dos fatos criminosos.

Alessandro Baratta, Professor de Criminologia da Universidade de Saarland na Alemanha, afirmava que a repressão penal privilegia as classes dominantes. É como se a lei penal fosse uma rede com malha fina para punir condutas tradicionalmente praticadas por “classes subalternas” e malha larga para punir condutas praticadas pelas classes dominantes.

Esse caráter seletivo se acentua na fase de investigação, que tende a se basear em “preconceitos e estereótipos”, de modo a enxergar o criminoso nos estratos sociais ondem é “normal” encontrá-lo.

Pois bem, se Baratta chega a essas conclusões desenvolvendo seus estudos na Alemanha, o que se pode dizer em um país tão desigual como o Brasil.

Parece ser por essa razão que a população brasileira tolera tanto a violência cometida por agentes do Estado. Quando um sujeito em São Paulo fala que quer a “Rota na rua”, ou quando no Rio de Janeiro se repete o bordão “faca na caveira”, em referência ao Bope, não se ignora que esse é um discurso de extermínio, que exalta uma polícia violenta que investiga, acusa e aplica a pena de morte sumariamente. Não se ignora que isso pode atingir vítimas inocentes, confundidas pelo juízo estúpido de um policial truculento. A questão é que essa violência é contra as classes baixas e, no fundo, é como se todo favelado fosse um pouco criminoso.

O que é instigante no fenômeno do Amarildo é que parece que a sociedade se deu conta da dimensão dessa brutalidade. De um lado, há um incômodo e ver nas redes sociais pessoas que defendem a violência estatal, perguntando sobre o paradeiro do Amarildo. Afinal, ele não foi vítima apenas de uns policiais tresloucados, mas também de toda a sociedade que diz que “bandido bom é bandido morto”. Mas, por outro lado, é também um movimento contra toda essa brutalidade, contra essa política de extermínio que atinge os estereótipos, numa seletividade que aumenta ainda mais a desigualdade no Brasil.

A sociedade espera que a apuração seja rigorosa, sem corporativismo. Que a morte de Amarildo não seja visto como apenas um erro de cálculo, mas que seja tratada por todos como um crime de estado, incompatível com a democracia que todos almejamos. Ou então, que o governo assuma que a palavra “pacificadora” é apenas mais um engodo eleitoral.

 

Fonte: Diario do Centro do Mundo

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