Quilombos e Quilombas

Ao percorrer o Brasil, o leitor encontrará localidades chamadas Quilombo, Quilombinho ou Quilombola. Trata-se de comunidades originalmente constituídas por negros fugidos, instaladas, hoje, nas áreas onde houve luta e resistência contra a escravidão.

No Nordeste, desde os fins do século XVI, foram registradas fugas de escravos. Sabia-se, então, que os fugitivos se concentravam na área que se estendia entre o norte do curso inferior do rio São Francisco, em Alagoas, às vizinhanças do cabo São Agostinho, em Pernambuco. Tratava-se de uma região acidentada, coberta de mata tropical onde abundava a palmeira pindoba, daí o nome: Palmares (que foi o maior quilombo colonial).

Gaspar Barléu, cronista e amigo de Nassau, deixou uma detalhada descrição da sociedade palmariana: “Há dois desses quilombos, o Palmares Grande e o Palmares Pequeno. Este (Palmares Pequeno) é escondido no meio das matas, às margens do rio Gungouí, afluente do célebre Paraíba. (…) Contam 6 mil habitantes, vivendo em choças numerosas, mas de construção ligeira, feitas de ramos de capim. Por trás dessas habitações há hortas e palmares. Imitam a religião dos portugueses, assim como seu modo de governar: àquela presidem os seus sacerdotes, e ao governo, os seus juízes. […] O Palmares Grande, à raiz da serra Behé (serra da Barriga), dista trinta léguas de Santo Amaro. São habitados por cerca de 5 mil negros que se estabeleceram nos vales. Moram em casas esparsas, por eles construídas nas próprias entradas das matas, onde há portas escusas que, em casos duvidosos, lhes dão caminho para fugirem e se esconderem”.

Na época em que Barléu fez sua descrição, os holandeses tramavam a invasão do quilombo. Chegaram a introduzir em Palmares Pequeno Bartolomeu Lintz, encarregado de conhecer seu modo de vida e, depois, atraiçoar os antigos companheiros. Problemas de ordem política retardaram o ataque, só realizado em 1644. Palmares Grande foi parcialmente destruído, a ferro e fogo, mas se recompôs com rapidez. Em 1675, contava com cerca de 10 mil habitantes.

Por essa época, as autoridades portuguesas puseram em funcionamento um plano de destruição sistemática de Palmares. Expedições anuais às aldeias e missões de reconhecimento visavam não apenas combater os rebeldes, como também impedir os contatos entre os negros fugidos e os colonos que os abasteciam de comida e armas.

Em 1676 e 1677, novas expedições encontraram pela frente aldeias fortificadas que tinham sido queimadas e abandonadas, técnica, aliás, largamente empregada pelos rebeldes. Na última, chefiada por Fernão Carrilho, foram feitos prisioneiros dois filhos de Ganga Zumba, que então governava Palmares. Logo após esse episódio, representantes de Palmares e portugueses se encontraram em Recife para celebrar a paz. Em troca da legalização das terras, Ganga Zumba prometeu devolver às autoridades os membros da comunidade que não houvessem nascido no quilombo. O desfecho não agradou a alguns líderes quilombolas, entre os quais seu sobrinho Zumbi, que foi, então, proclamado “rei”, ao passo que seu tio e ex-líder foi, em 1680, assassinado por envenenamento.

Em 1685, o bandeirante paulista Domingos Jorge Velho pedia autorização para conquistar os indígenas da capitania de Pernambuco. Em vez de usá-lo contra os bugres, as autoridades decidiram lançá-lo contra Palmares. Como prêmio, Velho podia reivindicar os prisioneiros de guerra, fazendo jus à tradição da guerra justa (possuía-se o que se conquistasse em batalhas militares). Em fevereiro de 1694, depois de 42 dias sitiado, a cerca real do Macaco caiu. Zumbi, que conseguira escapar, foi capturado no dia 20 de novembro de 1695; executado, teve a cabeça exposta em praça pública.

Na época em que Palmares sucumbia, descobria-se ouro em Minas Gerais. A drenagem sistemática de escravos para trabalhar nas lavras provocou o mesmo tipo de resistência, e os quilombos começaram a se multiplicar na região.

Os moradores reagiam com pavor à presença dos quilombolas: temiam saques, assaltos e depredações que, com o passar do tempo, poderiam se tornar corriqueiros. Petições eram encaminhadas às câmaras, alertando para a fuga de cativos e, sobretudo, para o fato de que os fugidos andavam armados, “ameaçando brancos e matando escravos destes que iam apanhar lenha e capim”.

Em Mato Grosso, onde se achou ouro em 1719 não faltaram escravos e, consequentemente, quilombos. Utilizados nos serviços da mineração, agricultura e pecuária, esses cativos também trabalhavam na construção de obras públicas. Os que se encontravam em regiões de fronteira, como Guaporé, eram estimulados pelas autoridades espanholas a fugir, pois, do outro lado da linha demarcatória, encontrariam a liberdade. Outra característica da resistência negra nessa região foi a aliança com os indígenas. Os quilombos de Quariterê, Sepotuba e Rio Manso abrigavam índios, negros e mestiços – os caburés – vivendo em harmonia.

No Rio Grande do Sul também foram registrados quilombos. Nessa região, escravos contrabandeados da província espanhola de Sacramento faziam funcionar estâncias e charqueadas. Topônimos como arroio do Quilombo ou ilha do Mocambo atestam a resistência a um regime que, nos finais do século XVIII, começa a dar mostras de impaciência com fugas e deserções. Multiplicam-se, então, editais para a contratação de capitães do mato capazes de deter “a multidão de escravos fugidos metidos em quilombos”.

No Rio de Janeiro, a situação não era diferente. Rios, como o Iguaçu e o Sarapuí, no recôncavo carioca conduziam para a liberdade. Nessa região, os aquilombados desenvolviam um ativo comércio de lenha e, graças aos serviços prestados e trocados com vendeiros, escravos remadores, libertos donos de embarcações, pequenos lavradores, fazendeiros e cativos de propriedades, mantinham sua autonomia. Na Paraíba, destacaram-se as comunidades de negros fugidos denominadas Craúnas e Cumbe. Na Bahia, tais agrupamentos também não foram raros. Na distante Amazônia, o escravo negro foi fortemente substituído pela escravidão e trabalho compulsório do indígena.

Conforme podemos notar, várias regiões da Colônia conviveram com quilombos. Inúmeras pesquisas dão conta da presença de mulheres e crianças quilombolas, atestando assim a existência de ligações estáveis. Brigas de faca, castigos exemplares, surras em mulheres infiéis comprovam a existência de regras e de valores. Embora em menor número, as mulheres quilombolas destacaram-se na manutenção material de suas comunidades, zelando pelo suprimento de alimentos, confeccionando roupas e utensílios para uso doméstico. Seu papel nas funções religiosas era preponderante: através de rituais ancestrais, fortaleciam o espírito combativo dos homens. Acompanhavam os quilombolas em caçadas ou enfrentamentos com os temidos capitães do mato e, então, exerciam função de apoio ao conduzir pólvora e armamentos, assim como levando e trazendo recados.

Bibliografia:

DEL PRIORE, Mary; VENANCIO, Renato. Uma breve História do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2010.

Fonte: Resumo da Obra

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