RACISMO EM RIO DAS OSTRAS: O Banco do Brasil

No dia 04 de dezembro, uma nota publicada no jornal “O Debate” de Rio das Ostras, andou (e anda) gerando muita polêmica e revolta na região dos lagos.

A colunista Jussara Leite, responsável pelo texto de conteúdo discriminatório e preconceituoso mostrou como ninguém o que se deve fazer para colocar o bigodinho pra rua.

Questionando a imprensa do mundo e cutucando forte na ferida regional, o Fazenda Virtual chega de sola e faz massagem na Costa do Sol.

Segue abaixo a referida nota e, na seqüência, o texto de repúdio produzido por moradores de Rio das Ostras:

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NOTA:

“INCIDENTE GRAVE: Só grave não! Gravíssimo. O assassinato do morador de rua foi horrível! Eu não os quero aqui, mas daí a querer a morte dos coitados, ainda mais da maneira que foi. Credo! Já era de se esperar que mais dia menos dia fosse acontecer, pois eles se alimentam de álcool, ficam juntos a maior parte do tempo, já estavam mantendo relações sexuais na areias da praia do Centro porque já era visto e notório a presença de mendigas também. Enfim, os locais por eles freqüentados estavam insuportáveis não só pelo aspecto dos mesmos, como pelo mal cheiro e pelos abusos que os transeuntes eram obrigados a aturar. Por hora eles sumiram, mas se nada for feito para impedir o regresso, logos eles estarão de volta. Não permitam que isso aconteça! Aproveitem a oportunidade do sumiço! Tem muita cidade e lugarejos para eles irem baixar o santo deles fora de Rio das Ostras. Esta cidade é limpa e tem que permanecer assim! O que me preocupa são os cachorros que os acompanhavam. O que será feito deles? Ah, as ciganas já chegaram pegajosas nos segurando pelo braço com toda a intimidade. Realmente não dá pra ser feliz desse jeito! São mendigos, são ciganos, travestis dazendo vida, traficantes, ladrões e assaltantes, tarados, realmente a coisa está ficando difícil. A coisa está feia!” (Jussara Leite)

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TEXTO-REPÚDIO:

 

PÚBLICO & PRIVADO: Opinião, violência e discriminação.
As relações sociais contemporâneas têm sido marcadas por várias manifestações de violência. Intolerância, preconceito e discriminação estão presentes nas várias esferas da vida em sociedade: no futebol, nas relações de trabalho, nas universidades, nos diferentes espaços públicos e privados. Parte dessa violência tem sido alimentada pela visão distorcida e preconceituosa de que a sociedade é dividida entre cidadãos de bem e a escória. A escória pode ser representada pelo torcedor do time adversário, pelas pessoas em situação de rua, pelos profissionais do sexo, pelos pobres, pelos negros, pelos desempregados, pelos homossexuais, pelos usuários de drogas ou qualquer outro segmento social que represente uma “ameaça” a “harmonia e a paz social”. Os que se consideram cidadãos de bem se sentem autorizados a manifestar suas opiniões odiosas contra os diferentes segmentos sociais, exigindo solução, em muitos casos eliminação, para tudo o que avaliam repugnante aos olhos de um grupo que se concebe como uma casta superior com autoridade para falar em nome da “sociedade” e dos “direitos”.

 

A nota publicada por Jussara Leite na edição do Jornal O Debate de 04 a 10 de dezembro de 2009 é emblemática neste sentido. Lamentavelmente a opinião manifestada nesta nota não expressa apenas uma opinião particular, mas a de muitos que “assistem” a vida pelas lentes do preconceito e do privilégio. Toda opinião pública – assim a consideramos por ter sido veiculada em um jornal local – é legítima se as referências e os valores que defende se colocam nos limites da democracia e dos direitos humanos. No entanto, o modo como a tragédia envolvendo a morte de uma pessoa em situação de rua foi abordada por Jussara Leite e suas opiniões sobre a oportunidade aberta para “nos livrarmos dessas pessoas”, seu sentimento de solidariedade exclusiva aos cães que acompanhavam essas pessoas, sua clara fobia às condições de higiene e ao comportamento das pessoas em situação de rua, seu moralismo dirigido aos profissionais do sexo, merecem questionamento e repúdio.

 

Primeiro por ignorar que as pessoas que vivem em situação de rua representam uma incapacidade de nossa sociedade de oferecer políticas sociais públicas capazes de assegurar o sistema, universal, de Seguridade Social, inscrito em nossa Constituição Federal. Segundo porque concebe o espaço público como espaço privado, considerando que pode, em nome dos cidadãos de bem, definir quem merece ou pode transitar e se apropriar dele, ignorando princípios Constitucionais como o direito de ir e vir e a validade da cidadania em todo território nacional. Terceiro porque sua avaliação sobre as situações apresentadas – que envolvem pessoas em situação de rua, profissionais do sexo e ciganos – e seu apelo por soluções imediatas e autoritárias (higienização), ao desconsiderar as reais determinações sociais que contribuem para essas manifestações das desigualdades sociais e do abandono por parte do poder público, contribuem para alimentar e legitimar práticas de extermínio cada vez mais consolidadas em nossa sociedade autoritária e conservadora, como assassinatos de moradores de rua, de profissionais do sexo, de homossexuais, de jovens pobres da periferia, como confirma a ação das milícias no Rio de Janeiro, da polícia e de vários grupos de extermínio em todo território nacional.

 

Do mesmo modo que tais avaliações reforçam a ideia enganosa de que a ameaça, a violência, a miséria ou o abandono das ruas são atributos ou situações vivenciadas apenas pelos “de fora”, pelos “estrangeiros”, obscurecendo o fato de que os impactos sociais do modelo de “crescimento e desenvolvimento” adotado pelo município colocam os próprios rio ostrenses em situação de vulnerabilidade social. Não é a presença de pessoas em situação de rua, de profissionais do sexo, de ciganos que impedem nossa felicidade e a possibilidade de vivermos numa cidade limpa e segura, mas o moralismo e o preconceito odiosos que espiam das janelas protegidas por grades e só tem olhos para os diferentes, para os que não tem voz e poder econômico e político, atribuindo-lhes individualmente responsabilidade por situações geradas socialmente. O mesmo moralismo e preoconceito odiosos que fecham suas janelas gradeadas e não querem ver a violência do desemprego, da corrupção, do coronelismo, do clientelismo, do abandono por parte do poder público nas áreas de sua responsabilidade (Saúde, Educação, Assistência, Emprego, Moradia, Saneamento Básico).

 

A cidadania e a democracia exigem, não a eliminação das pessoas, mas a eliminação de todas as formas de violência (como as citadas acima), inclusive a violência do preconceito e da discriminação, que molda uma “opinião pública” conivente com o extermínio daqueles que são considerados a “escória social”.

Você que também se indignou e quer assinar a carta de repúdio escreva para [email protected] basta enviar seu nome completo, profissão, vínculo institucional e município.

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