Mônica Francisco*
O racismo institucional e o racismo cotidiano percebido e vivido no calor das relações entre os indivíduos são um fato que não devemos e não podemos ignorar de maneira alguma e agora em tempos de Copa ficam mais e mais óbvios, mas não menos ignorados. Aflorando logo que tem ocasião, mostrando como apregoava o tema de uma campanha realizada por algumas ONGs há anos atrás, onde cada um guarda seu racismo, e eu diria, para usá-lo em momento oportuno ou inoportuno também.
Dos cabelos do David Luiz aos insultos a Camilo Zúñinga após lesionar o jogador Neymar, o racismo se manifesta em suas multifacetadas formas e ações. Falando em David Luiz, ao assistir em uma emissora os repórteres que estavam no local de concentração da Seleção Brasileira falando sobre o jogador, um deles disse à outra repórter que dividia com ele a transmissão, que uma criança de seu prédio achava que o jogador David Luiz não era, pasmem se puderem, “DE VERDADE”, por causa dos cabelos. A criança achou que era um bonequinho de comercial famoso e brindes de ocasião.
Isso para alguns talvez passe como um comentário engraçadinho e inocente de criança, o que, por isso mesmo, gerou muitas risadas dos repórteres citados e dos apresentadores do jornal, mas sabemos que na sutileza das situações está a maior perversidade deste que é um de nossos casos mais mal resolvidos na nossa história como nação.
Em que mundo esta criança se percebe vivendo e qual o conceito de sociedade e diversidade que se está construindo, é um dos questionamento que devemos fazer. São elas que vão compor fileiras de justiceiros amanhã, por não reconhecerem como iguais aqueles que sequer percebem como humanos. Isso deve gerar uma disposição mental, pelo menos equivocada e que de alguma forma vai acompanhar estes indivíduos ao longo de sua existência. É uma questão muito séria.
O tempo inteiro as cabeleiras de David Luiz, Willian e Marcelo também são alvos do incômodo percebido nas declarações da imprensa, mas a de David Luiz incomoda, mais porque ele não tem a pigmentação escura que os outros companheiros têm e que de certa forma justificam a forma capilar e “exótica” ou mencionada como uma característica de jogadores de futebol, o destacar-se por ter cabelos”inusitados”, para afastar o máximo possível a constatação ou pelo menos qualquer afirmação de conotação racista.
Toda essa viagem semântica em relação aos cabelos dos jogadores brasileiros, tentando afastar do evidente fenótipo típico dos negros e aproximar de o que chama de “coisa de jogador de futebol”, mas que nos dá a clareza de que o significado claro de tudo isso é a resistência a aceitação de que o Brasil é negro, ou pelo menos uma parte extremamente grande e uma parcela vigorosa de sua população o é.
É negro na sua essência, é negro na sua força e é negro na sua resiliência, e claro, não podia de o deixar de ser na sua expressão mais forte,o cabelo. Mas romantismos à parte, é negro de fato, segundo o último censo do IBGE, e os cabelos não negam (ainda que coitados, tentem ser dominados de forma cruel) e isso tem de ser respeitado. Trazer e acirrar o debate sobre o tema e suas variações é nossa obrigação diária.
Nos números da violência sofrida diariamente, seja ela velada ou exposta como os números do Mapa da Violência, dos grandes laboratórios de pesquisa acadêmica, como por exemplo o LAESER, coordenado pelo economista, professor e pesquisador Marcelo Paixão,da UFRJ, fazem com que sejamos assombrados por ele, o racismo. Seja daqui da favela, no óbvio que se denuncia pelo descaso na implementação das políticas públicas essenciais, já tão denunciadas aqui nesta coluna, seja na preferência dos abusos policiais, da negligência no campo da saúde pública, na gorda conta da evasão dos bancos escolares, nas populações encarceradas, no alvo preferencial dos rigores da lei. Não veríamos um negro fugindo com tanta facilidade como o senhor Raymond Whelan.
Ainda aproveitando o finalzinho da Copa para não perder a bossa, nem uma palavra sobre Barbosa, o goleiro da copa de 1950. Nenhum grande comentário ou discussão com relevância, que eu tenha visto. Podíamos aproveitar o momento para diminuir os efeitos de nosso racismo ainda tão producente que assim sem sentir vão nos fazendo ter atitudes tão vexatórias como as que discorremos aqui, ao ponto de cometermos linchamentos tão terríveis como o moral em relação a Barbosa.
Sem falar na vergonha internacional de não se ver quase nem um negro ou negra brasileira nos estádios ou arenas, confundindo muita gente mundo afora sobre se era mesmo o Brasil que estava sendo focalizado, sem contar o desânimo de uma torcida mais ou menos. Será esse nosso maior legado ainda, não fazermos os acertos necessários e as pazes com nossa própria história?
“A nossa luta é todo dia. Favela é cidade. Não à GENTRIFICAÇÃO e ao RACISMO, ao RACISMO INSTITUCIONAL, ao VOTO OBRIGATÓRIO e à REMOÇÃO!”
*Representante da Rede de Instituições do Borel, Coordenadora do Grupo Arteiras e Consultora na ONG ASPLANDE.
Fonte: Jornal do Brasil