Racismo, racismo

 

 

Nesta quinta-feira, 4, ao entrar no banheiro feminino da Unesp, em Presidente Prudente, aluna encontrou a mensagem: ‘Thais Telles, preta, safada, macaca’. Ela registrou boletim de ocorrência.

Dia normal no câmpus. Uma manhã como tantas outras: começando cedo, às 7 horas, tomar um café enquanto se liga o equipamento de projeção… vidas que seguem e se entrelaçam em um ideal comum a todos: a universidade. Para mim, docente de História da Arte, seria mais uma das manhãs que permaneço em pé, discorrendo sobre a Pietà de Michelangelo.

 

Como professora, conheço muitos estudantes. Desde sempre, uma das alunas se destacou, aos meus olhos, como uma menina inteligente, de olhos muito brilhantes, sorriso largo. Um dia, tivemos uma longa conversa sobre as chamadas religiões de matrizes afro-brasileiras, e mais uma vez a moça alegre e dedicada deixou em mim forte impressão. Além do bom desempenho acadêmico, a aluna demonstrara interesse pelas suas origens e, por esse motivo, escolhera participar de um grupo de discussão sobre discriminação, racismo, cotas e, com base nesse coletivo, articular ações.

A presença de Taís Telles, para mim, era um sinal de que a universidade pública paulista honra legados como o de Florestan Fernandes, que se dedicou a estudar os efeitos da escravidão, denunciando o aspecto ideológico de discursos aparentemente inofensivos. Ou de Milton Santos, que se notabilizou em ser um dos maiores intelectuais de nosso meio acadêmico, construindo um arcabouço teórico-conceitual que até hoje nos serve de base.

No intervalo das aulas, na pequena parada para mais um café, uma água, fui ao banheiro. Utilizei-me do reservado e quando saí, vi aquela menina tão alegre quieta, tensa, em meio à amigas. Não me cumprimentou como das tantas vezes passadas, com alegria. Pela primeira vez, dirigiu-se a mim como “professora”, para me mostrar algo na porta.

Para meu espanto, lá estavam os dizeres criminosos, de quem se considera melhor que os outros por conta da cor da pele, o que nos condenou, por séculos, a vivermos separados em duas categorias: a das pessoas e a de coisas. E quem era “coisa” não tinha direitos. E assim foi, por séculos, e infelizmente para nós, tal processo terminou tardiamente e deixou marcas profundas.

Muito se disse sobre uma suposta falta de racismo entre os brasileiros. Mas também muito já se questionou sobre a “democracia racial”. Muito já se avançou na conquista de lugares, e muito se reverencia a memória de quem foi pioneiro nesses avanços: Luiz Gama, José do Patrocínio, Cruz e Sousa, Lima Barreto, Cartola, Pixinguinha, Carolina de Jesus… Mas nada nos alivia a dor quando nos deparamos com esses dizeres sórdidos.

Passado o choque, Taís começou a articular sua resposta, digna, que contagiou a todos. Que essa menina valente sirva de exemplo. Não se trata apenas de uma inscrição na porta de um banheiro universitário: trata-se de uma agressão à comunidade acadêmica, personificada em Taís, uma subversão na nossa manhã de estudos, do delicado equilíbrio necessário à manutenção do ideal universidade.

 

 

 

Fonte: Portal Soma

 

 

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