Reconhecimento histórico: menção a afrodescendentes entra nos textos da UNFCCC pela primeira vez

22/11/25

Pela primeira vez na história da UNFCCC, documentos centrais das negociações climáticas, relativos à Transição Justa, ao Plano de Ação de Gênero (GAP) e aos Objetivos Globais de Adaptação (GGA), foram aprovados em uma Conferência das Partes (COP30), em Belém, com menções explícitas a afrodescendentes. A menção também está no documento político da presidência da COP30, chamado Mutirão. Trata-se de um marco histórico construído por uma força-tarefa comprometida com a transformação, articulada por Geledés – Instituto da Mulher Negra, organizações afrodescendentes e o Estado brasileiro.

Geledés reforça que este reconhecimento continua sendo essencial para a garantia de direitos. Em um cenário internacional no qual muitos Estados ainda ignoram — ou evitam enfrentar — as raízes estruturais do racismo, especialmente no âmbito multilateral, o protagonismo do Brasil ganha ainda mais relevância.

Geledés esteve na ECO92 e retomou seus trabalhos de incidência para inserção da referência a afrodescendentes nos documentos de negociação da UNFCCC na COP28 em Dubai. A inclusão nos textos sobre Transição Justa, Plano de Ação de Gênero e Adaptação é, portanto, um avanço histórico na política climática internacional. As populações afrodescendentes na diáspora global estão entre as mais impactadas pela crise climática e, ao mesmo tempo, figuram como protagonistas de soluções, saberes e práticas de resiliência em seus territórios.

Segundo o Grupo de Trabalho de Especialistas da ONU, a população afrodescendente no mundo soma cerca de 200 milhões de pessoas, descendentes das vítimas do tráfico transatlântico e mediterrâneo de pessoas escravizadas. O Brasil abriga a maior população afrodescendente fora do continente africano: mais de 56% da população nacional, cerca de 120 milhões de pessoas (IBGE, 2022).

O reconhecimento de afrodescendentes nos textos da UNFCCC abre caminho para políticas climáticas mais justas, eficazes e enraizadas nas realidades dos territórios historicamente afetados por desigualdades estruturais. Não se trata de um gesto simbólico: a presença explícita de afrodescendentes nesses acordos garante visibilidade, orienta o direcionamento de financiamentos, fortalece a participação e contribui para corrigir lacunas históricas na governança global do clima.

Celebramos os negociadores brasileiros por não recuarem na demanda do movimento negro sobre as menções e a sociedade civil que manteve firme posicionamento para garantir um passo importante no combate ao racismo ambiental. Temos muito trabalho ainda e lacunas para financiamento, desmatamento e o fim dos combustíveis fósseis, mas o reconhecimento nos dá caminho para trabalhar enquanto protagonistas dessa agenda.

PLANO DE AÇÃO DE GÊNERO  

“Geledés – Instituto da Mulher Negra considera histórico e importante para a política internacional do clima que o texto final do Plano de Ação de Gênero inclua a menção a mulheres afrodescendentes na COP30. Isso aponta para uma direção essencial de garantia da igualdade de gênero e de transversalidade nas agendas e processos da UNFCCC.

Consideramos que o texto não é perfeito e precisamos melhorá-lo na implementação. Mas, sobretudo, reconhecemos o papel da sociedade civil organizada e das organizações que construíram coletivamente, estiveram presentes em todos os diálogos, apresentaram recomendações, promoveram articulação política e colocaram a mão na massa. Mulheres e meninas afrodescendentes estão na linha de frente dos impactos ambientais, do trabalho não remunerado às vulnerabilidades econômicas e sociais.

As menções a mulheres afrodescendentes são fundamentais para garantir maior participação, reconhecimento e efetiva garantia de direitos. O plano aprovado sinaliza novos tempos para os direitos humanos dentro da UNFCCC.”

ADAPTAÇÃO – INDICADORES GLOBAIS DE ADAPTAÇÃO

“O texto da Meta Global de Adaptação (GGA) traz pela primeira vez o reconhecimento aos afrodescendentes e a importância da desagregação de dados por raça, gênero e demais interseccionalidades. Esse resultado nos dá a possibilidade de cobrar políticas públicas de adaptação que priorizem quem de fato está mais vulnerabilizado pelos efeitos das mudanças climáticas e necessita de recursos e capacidades institucionais agora. Reconhecer afrodescendentes é admitir que não é possível ignorar que gênero, raça e território, de forma interseccional, moldam a exposição e a capacidade de resposta à crise climática. Sem isso, os indicadores de adaptação correm o risco de serem generalistas e globais apenas no papel —e cegos às desigualdades mais profundas. 

Geledés reconhece que ainda há muito trabalho para tornar os indicadores de fato factíveis para uma perspectiva global que ao mesmo tempo endereça às necessidades locais. Mas temos as estruturas necessárias para isso e o começo do indicativo de financiamento prioritário para adaptação no texto do Mutirão, que já reconhece a necessidade de triplicar o financiamento para a adaptação, ainda que sem posicionar a qualidade do acesso e o endereçamento para esse financiamento. Com o fortalecimento da agenda de Planos Nacionais de Adaptação (NAPS) poderemos construir a ambição necessária que não pode esperar dois anos para começar. Precisa ser agora e com o compromisso legítimo dos países em reparar desigualdades enquanto as políticas de adaptação avançam.”

“Geledés reconhece que no texto de adaptação algumas incoerências vão precisar ser resolvidas em Bonn (2026) no que diz respeito à visão Addis-Belém de alinhamento político de dois anos e todo o trabalho técnico que foi endereçado para o secretariado da UNFCCC. Temos um caminho traçado para a implementação, mas que ainda não tem pactuação global que direciona a qualidade técnica dos indicadores para os países e esse passo é fundamental. Vemos os indicadores com uma linguagem mais política do que técnica, que atrasa a implementação até que o guia técnico seja aprovado e precisaremos cobrar para que isso saia em 2026. Além disso, a linguagem do financiamento ainda que reconheça pela primeira vez a necessidade de triplicar o financiamento para adaptação, não aponta o montante de 120 bilhões ao ano esperado pelos países menos desenvolvidos e reivindicado pela sociedade civil. As considerações transversais e o reconhecimento aos grupos vulnerabilizados, incluindo afrodescendentes pela primeira vez, é uma grande vitória, mas teremos muita luta pela frente.”

TRANSIÇÃO JUSTA  


“Para Geledés a aprovação do Programa de Trabalho sobre Transição Justa aprovado em Belém representa um marco político fundamental: ao inserir explicitamente afrodescendentes entre os grupos centrais dos percursos de transição, esse instrumento reconhece que o combate à crise climática não será justo nem eficaz se ignorar quem historicamente é mais vulnerabilizadas. Para a população afrodescendente mundial, isso significa reconhecimento, participação para a construção de um mecanismo que realmente considere gênero e raça na sua centralidade. E reflete também a urgência de que a política climática adote abordagens verdadeiramente inclusivas, interseccionais e centradas em equidade. Os afrodescendentes são os que mais arcam com os custos das transformações econômicas: trabalhadores removidos de cadeias produtivas, perda de atividades e empregos sem garantias de direitos, precisam ser reconhecidos e ser parte da construção da transição em seus territórios.”

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