Refletir sobre o racismo a partir do yoga

Na coluna PerifaConnection, Tainá Antonio descreve o Yoga Marginal, projeto de sua autoria

Por Tainá Antonio, do Carta Capital

AULA ABERTA NO CAMPO DO SANTANA NO DIA 30 DE MAIO, GREVE GERAL EM DEFESA DA EDUCAÇÃO. (Reprodução/Carta Capital)

Yoga Marginal, para além da minha pesquisa de mestrado e um projeto pessoal que se dá no fazer coletivo, tem como intenção o resgate social e saúde coletiva nas periferias através da prática do yoga. Atualmente, a Baixada Fluminense é o território de ação do projeto, e essa escolha pode ser justificada pela invisibilização desse território dentro das pesquisas acadêmicas, das práticas integrativas em geral e por ser o meu lugar.

A Baixada Fluminense com quase três milhões de habitantes é uma das maiores concentrações urbanas da América Latina e marcada pelo racismo ambiental, por um padrão comum de segregação da classe trabalhadora, e pela ausência de políticas públicas. E um dos focos dessa pesquisa é entender como o corpo pode gerar significado social, e como podemos sentir cada violência cotidiana e ainda assim mover além da dor.

É dentro dessa conjuntura que apresento a filosofia do yoga e a meditação como um possível caminho de transformação nesses territórios.

Entretanto, compreendendo a distância existente entre yoga e classes populares um dos objetivos dessa pesquisa é entender o processo de tradução necessário para que haja integibilidade entre a prática e os periféricos e como essa prática pode oxigenar as re-existências e os sentidos de comunidade para refletirmos sobre saúde integral periférica.

Foto: Reprodução/ Carta Capital

No Yoga Marginal pretende-se mais do que ministrar aulas de yoga africano e indiano, mas ressignificar esse espaço elitizado e fazer repensar sobre os vários padrões de corpo que podem adentrar essa prática que tem como berço a África – Kemet – e tem como fundamento a união. Nas margens do yoga nossos caminhos buscam a liberdade e autonomia do corpo integral e integrado.

Essa intenção vem se manifestando na prática dentro do território da grande Baixada Fluminense, onde há três anos demos os primeiros passos. No início despretensioso eram apenas aulas gratuitas de yoga para pré-vestibulares sociais de Duque de Caxias e Nova Iguaçu. Não sabíamos da proporção que uma aula de yoga na periferia um dia antes da prova do ENEM poderia ter. E quando as reverberações por meio de depoimentos e aumento da procura por yoga começaram, outros rumos foram estabelecidos.

Após alguns cursos de formação em yoga e nossa prática pessoal e cotidiana no lidar dentro da nossa comunidade, percebemos que falta um processo de tradução para que o yoga se faça inteligível dentro desses espaços. E assim em uma pesquisa de monografia surgiu um grande passo que foi a criação de um guia prático para meditação em escolas periféricas. Esse material tem a intenção de ser formativo e autônomo para que qualquer educador possa incluir as práticas do yoga e meditação dentro de suas rotinas escolares, sobretudo das periferias que não apresentam infraestrutura, mas apresentam corpos cheios de energia, e é só do que precisamos.

Desde 2017 esse guia vem sendo disponibilizado em escolas públicas da Baixada e outras regiões periféricas, o que desdobrou em muitas rodas de conversa, aulas práticas e outros encontros em CIEPS e atividades comunitárias em Duque de Caxias, Nova Iguaçu, Mesquita, Nilópolis, Belford Roxo e outras regiões do subúrbio do Rio de Janeiro.

No segundo momento, o qual nos encontramos agora, nossos esforços estão em criar uma rede de identificação e colaboração entre todos os profissionais de yoga que se encontram na Baixada Fluminense e todos os profissionais negros do Rio de Janeiro através de plataformas digitais.

Interligando as redes, os profissionais e os praticantes para que de fato possamos construir uma comunidade sólida de saúde integral no nosso território. E através das plataformas digitais estamos nos esforçando na contramão para cada vez mais desmistificar o lugar exotérico e inatingível que as próprias mídias sociais disponibilizam sobre o yoga, com corpos brancos, magros e alongados como sendo os únicos sujeitos passíveis de acessar essa filosofia.

É nesse lugar que ao longo dos últimos anos o projeto “Yoga Marginal” vem caminhando, descobrindo novas iniciativas, criando pontes, construindo parcerias, discutindo saúde, medos, racismo, racismo ambiental, política, compaixão e tudo que adentra nossos espaços de trocas.

Sabemos que são tantas as demandas e lutas de base que nossa saúde física fica para depois e nossa saúde mental é praticamente ignorada.

Sabemos – também – que matam nossos corpos com tiros e mata-leões todos os dias mas ainda mais triste é reconhecer que muitas vezes nosso corpo já está quase no chão quando isso acontece, e é pura estratégia de governo de um Estado racista. É preciso cuidarmos e estarmos atentos às questões de saúde mental, do corpo e da alma para que produzamos mais vida, menos morte em territórios cujos dados são constatados nos modos de vida cotidianos na Baixada Fluminense.

A prática do yoga foi e é mundialmente popularizada pela busca do eu interior, da paz individual, do autoconhecimento. E de fato, yoga é tudo isso.mundialmente popularizada pela busca do eu interior, da paz individual, do autoconhecimento. E de fato, yoga é tudo isso. Mas nós do Yoga Marginal, temos uma filosofia outra. Tão importante quanto olhar para o agora e olhar para dentro, é olhar para os lados. Aqui ninguém caminha só. E é nesse sentido de com-unidade que finalizamos essa breve apresentação do Yoga Marginal. A casa é nossa família, e o yoga também.

“A verdade é que nenhum de nós pode ser livre até que todos sejam livres.”

Maya Angelou

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