Renda Básica para promover justiça e paz

Por: PHILIPPE VAN PARIJS e EDUARDO MATARAZZO SUPLICY

 

Instituir a Renda Básica de Cidadania não tornaria os ricos mais ricos, porque eles contribuirão para que eles e todos os demais recebam

 

Pode uma renda básica incondicional, paga a todo cidadão, ser um instrumento de justiça e paz? Esse foi o tema central do 13º Congresso da Rede Mundial da Renda Básica, ou Basic Income Earth Network (Bien), que reuniu mais de 500 participantes de mais de 30 países na Universidade de São Paulo, de 30 de junho a 2 de julho.

No dia 29, a executiva da Bien foi recebida em longa audiência pelo presidente Lula, que explicou como os objetivos da Bien estavam em parte sendo atendidos pelos programas no Brasil.

Diversas sessões foram dedicadas aos resultados do Bolsa Família e como os desafios que enfrenta podem pavimentar o caminho para uma Renda Básica de Cidadania (RBC). Programas que requerem a declaração da renda inevitavelmente enfrentam um problema prático numa economia com alto grau de informalidade.

Com o amadurecimento do programa, há um número crescente de pessoas que dizem: isso é injusto, meu vizinho ganha mais do que eu e recebe o Bolsa Família, enquanto eu não. Uma RBC acabaria com tantos casos de injustiça, simplesmente ao pagar o benefício para todos. Não seria injusto e absurdo pagar o benefício para os ricos? Não, uma RBC não tornaria os ricos mais ricos, porque eles contribuirão para que eles próprios e todos os demais a recebam. Isso acontece seja quando a RBC é financiada por meio de taxação sobre a renda ou sobre transações, consumo ou emissões de carbono. Uma tributação justa é complemento crucial de uma RBC.

A transição de um sistema de transferência focalizado para um sistema universal não é melhor para os ricos, numa primeira avaliação, mas é melhor para os pobres: elimina as armadilhas de dependência, o estigma e os altos custos de controle normalmente associados às exigências.

Será melhor para os ricos ao perceberem as vantagens de viver numa sociedade em que prevaleça a prática da solidariedade.

O congresso foi uma oportunidade para se ouvir o que acontece no mundo. Comparar, por exemplo, experiências locais na Namíbia, em Otjivero; no Brasil, em Santo Antonio do Pinhal e Quatinga Velho; no Alasca, EUA; e na Índia, em Bihar e Gujarat. Ouvimos a entusiástica criação de uma rede de renda básica na Coreia, no Japão, na Itália, e os desenvolvimentos da rede alemã, que hospedará o 14º congresso em Munique, em 2012.

O mais surpreendente veio do Irã. Em janeiro último, o Parlamento iraniano aprovou a “Lei do Subsídio Focalizado” que acaba com um grande subsídio implícito para o consumo do combustível ao elevar o preço tão baixo do petróleo para os consumidores iranianos ao nível do preço internacional, e compensa esse aumento pela elevação do padrão de vida da população em geral com a introdução de um pagamento mensal de renda em dinheiro para todos os cidadãos, de aproximadamente R$ 40.

Os ricos, que consomem direta e indiretamente mais petróleo, em média, não serão plenamente compensados pelo aumento do preço, mas os pobres serão mais do que compensados.

A lei, que entra em vigor em 21 de setembro, deverá promover um uso mais eficiente do recurso natural escasso e reduzir o nível de desigualdade social. É uma iniciativa muito interessante para ser estudada por outros países.


PHILIPPE VAN PARIJS,
professor da Universidade Católica de Louvain e da Universidade Harvard, é presidente do Conselho Internacional da Bien (Basic Income Earth Network, ou Rede Mundial da Renda Básica).


EDUARDO MATARAZZO SUPLICY
doutor em economia pela Universidade Estadual de Michigan (EUA), é senador pelo PT-SP, professor da Eaesp-FGV e copresidente de honra da Rede Mundial da Renda Básica.

 

 

Fonte: Folha de S. Paulo

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