Não acredito que a gente tenha chances infinitas de corrigir a rota para alcançar o porto que queremos. Por toda vida, talvez tenhamos duas ou três oportunidades para acertar o alvo. Aqui me refiro a oportunidades internas – aquelas que nós mesmos nos damos. Nos últimos tempos, muita gente escreveu que devemos abandonar o emprego quando estamos infelizes com ele. Chegar para o chefe, dar uma banana, encher a boca e saltar o sonoro: fui!
Por fernanda pompeu enviado para o Portal Geledes
Mas, vida como ela é, nem sempre é possível abandonar o lugar onde se ganha o pão com manteiga, o tênis para caminhadas, a mensalidade da escola do filho. Segue lista! Não existe vida sem contas a pagar. Nem empregos sem sapos a engolir. Alguns autores, majoritariamente americanos, ganharam bastante grana vendendo livros nos encorajando a fugir de empregos chatos, burocráticos, repetitivos. Autores que perceberam que 90% da humanidade gostaria de trabalhar em postos estimulantes, criativos, abertos. No entanto, a maior parte dos trabalhadores do mundo está longe dessa utopia.
Eu passei boa parte da minha história profissional esperando o editor genial, o mecenas camarada, o leitor paciente. Nenhum dos três deu as caras. Minha solução foi procurar recursos interiores para trilhar cenários adversos. De jeito algum mudei de ramo. Não apenas pela paixão de escrever, mas também pela certeza que fracassaria em qualquer outra atividade.
Quando percebemos que não podemos sair do emprego, ou que é inviável mudar de área, surge a oportunidade de se reinventar. Se não dá para transformar a paisagem, que tal olhá-la por outro ângulo? Repaginar o trabalho pode nos ajudar a ver diferente. O que não é necessariamente ver coisas novas, mas enxergar o que estava invisível. Há coisas boas na frente do nosso nariz, implorando por atenção. Várias atividades profissionais são desvalorizadas, o que não significa que elas não tenham valor. Valorizar o próprio ofício começa com a gente.
Outro dia, entrei em uma livraria perguntando pelo Sagarana, livro de contos do João Guimarães Rosa, publicado em 1946, já considerado um clássico. A vendedora franziu a testa, procurou no computador, disse: Esse título é muito antigo, não temos na loja. Ouvindo a conversa, um outro vendedor me conquistou: Não temos o Sagarana no momento, mas temos o Grande Sertão Veredas e o Primeiras Estórias do mesmo Guimarães Rosa. Agora responda: qual dos dois vendedores trabalha mais feliz?