Reparação da população negra por meio da tributação

São bem-vindas as manifestações por uma reforma saudável, sustentável e solidária

É bem-vinda a série de manifestações do campo progressista que vem ocorrendo na discussão sobre a reforma do sistema tributário nacional. São dezenas de instituições, organizações e coletivos que se posicionam em favor de uma reforma tributária saudável, sustentável e solidária (Reforma Tributária 3S).

Manifestos e notas técnicas vêm sendo lançados destacando avanços e desafios das propostas em discussão no Parlamento. Representantes dessas organizações e coletivos participaram da audiência pública organizada pelo grupo de trabalho da reforma tributária na Câmara dos Deputados, se posicionando em favor de um sistema tributário mais progressivo e comprometido com o desenvolvimento socioambiental, bem como sensível às desigualdades de raça e gênero.

No que diz respeito mais especificamente à pauta racial, há grupos que endossam o posicionamento geral da Reforma 3S, acrescentando que o sistema tributário brasileiro deve também estar comprometido com a reparação histórica relativa à população negra.

Nesse sentido, foi lançada, em 29 de junho, por um grupo de entidades do movimento social negro, uma campanha em favor de uma reforma tributária antirracista. Nessa mesma direção, um conjunto de organizações sociais e sindicais estão organizando um ciclo de debates virtuais “Tributação Justa, Reparação Histórica”, que ocorrerá de 11 a 13 de julho.

Reparação diz respeito à correção de um erro, um crime, uma injustiça cometida contra grupos sociais. Como nos lembra Eliane Barbosa, em livro a ser lançado nos próximos dias, “no direito internacional, a noção de reparação inclui um conjunto de passos destinados ao reestabelecimento das relações entre dois grupos, dos quais um vitimou o outro”.

Nessa perspectiva, estão incluídas desde as ações simbólicas, como pedidos de desculpas, que funcionam como prova de reconhecimento de danos morais e materiais provocados, até ações mais concretas, no sentido de restituições econômicas, em formas de recursos financeiros ou serviços, que visem restituir danos materiais perpetrados”.

Por que o Estado e a sociedade brasileira devem estar comprometidos com a reparação para a parcela negra da população?

Primeiro por um dever moral, de reconhecer o mal que foi feito com a violência da escravização e que continua ocorrendo por meio da violência cotidiana e diversificada com que se defronta a população negra nos territórios para os quais foi empurrada, na falta de moradia decente, na falta de oportunidades sociais, políticas, culturais e econômicas, no trato com o braço armado do Estado, no encarceramento em massa de jovens negros/as.

Depois porque, durante esses quase 150 anos que nos separa da chamada “Abolição”, sociedade e Estado brasileiros não conseguiram propiciar a essa parcela da população oportunidades para que conquistasse o que lhe é devido e constantemente prometido: liberdade, emancipação, igualdade, fraternidade. A parcela negra da população, majoritária no país, permanece em situação de grandes desvantagens, principalmente no campo econômico, o que significa péssimas condição de vida.

Por que fazer reparação por meio da tributação? Vale salientar aqui que, se de um lado a população negra tem o dever de pagar impostos como outros segmentos populacionais brasileiros, de outro lado é uma população que tem direito a reparação.

Ou seja, na relação que o povo negro estabelece com o Estado, ele figura tanto como credor do Estado, posto que há uma reparação material a ser feita, mas também como devedor, na relação tributária.

O Estado também ocupa estes dois lugares: credor na relação tributária e devedor da reparação. Assim é que defendemos que o sistema tributário nacional dialogue com essa realidade, criando mecanismos de incentivos para a população negra.

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